O último herói da Bonelli a quem esta colecção possibilita a estreia em Portugal, nesta quinta-feira, foi também um dos primeiros: Mister No. Criado por Guido Nolitta (pseudónimo que Sergio Bonelli usava para assinar os argumentos que escrevia) em 1975, a partir de duas personagens reais que Sergio conheceu nas suas viagens pelo continente americano, Mister No é um aventureiro radicado na selva amazónica. Nascido Jerry Drake, Mister No — alcunha que nasceu devido à sua teimosia, que o leva a dizer facilmente “Não!” (No) aos seus clientes — é um antigo piloto de guerra americano que, depois da Guerra da Coreia, incapaz de se readaptar à vida civil, decide deixar os Estados Unidos e ir viver para Manaus, no Brasil, onde ganha a vida como guia na selva amazónica, o que, por vezes, o leva a envolver-se em situações que o obrigam a fazer apelo à sua experiência militar. O seu melhor amigo é outro estrangeiro, Otto Kruger, vulgo “Esse-Esse”, um alemão que, como Drake, é um veterano da Segunda Guerra Mundial. Não dos SS, como a alcunha pode levar a supor, mas do Afrika Korps, o célebre corpo expedicionário comandado pelo marechal Rommel.
Com uma capa inédita de Fabio Civitelli realizada em exclusivo para esta edição, colorida pelo desenhador português Ricardo Venâncio, o livro que apresenta Mister No aos leitores portugueses, comporta duas histórias. A primeira, “Ovni”, escrita por Tiziano Sclavi (o criador de Dylan Dog) e ilustrada por Civitelli, e publicada originalmente em 1984 no n.º 108 da revista mensal de Mister No, coloca o americano Mister No e um cosmonauta russo a terem de unir esforços em plena Guerra Fria, para conseguirem sobreviver a uma tribo de indígenas que os quer sacrificar aos seus deuses. Um encontro inesperado, que ocorre na sequência da queda de um satélite russo em plena selva amazónica, provocando a destruição do avião de Mister No e motivando a hostilidade dos indígenas, que vêem no estranho fenómeno um sinal de desagrado divino. A história de uma amizade improvável que floresce, independentemente das bandeiras e das ideologias, como sucede com No e Arkady, o cosmonauta russo, escrita um ano antes de Gorbachov subir ao poder, é um tema grato a Sergio Bonelli, mas Sclavi não deixa de juntar o seu toque pessoal, introduzindo, de forma ambígua, alguns elementos fantásticos na narrativa. Uma história muitíssimo bem ilustrada pelo traço de grande detalhe e legibilidade de Fabio Civitelli, que se revela senhor de um apuradíssimo jogo de sombras, bem evidente nas cenas nocturnas e nos pesadelos de Mister No e de um óptimo sentido de mise-en-scène, de que a entrada em cena de Arkady, com o seu traje espacial, é um exemplo perfeito.
Para além desta história, em que Sclavi aborda pela primeira vez os ovnis, tema a que regressará com alguma frequência em Dylan Dog, este volume traz também “Garimpeiros”, uma história curta escrita pelo próprio Sergio Bonelli e desenhada por Roberto Diso, que começou a desenhar Mister No logo na edição n.º 5 e que, com o tempo, acabou por se tornar o mais importante desenhador da série, ocupando-se também das capas da revista a partir do n.º 116. Bem representativa da colaboração da dupla, “Garimpeiros” coloca Mister No em confronto com diferentes aspectos da ganância humana, quando é obrigado a transportar os cunhados de um garimpeiro brasileiro até ao local onde este supostamente encontrou a jazida que o tornou um homem rico.
Colecção Bonelli #9: Mister No – Ovnis na Amazónia, Tiziano Sclavi, Guido Nolitta, Fabio Civitelli e Roberto Diso, Levoir, 136 pp., capa dura, p&b, 10,90€
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