9 de novembro de 2025

Então, Michael?!: O gato que dança

Há pouco mais de cinco anos a Sendai Editora iniciou a sua actividade no panorama editorial da BD e mangás em Portugal.

Assinalando o facto, a editora anunciou uma novidade: a continuação das aventuras de Michael, a ser lançado em dezembro: Então, Michael?!: O gato que dança de Makoto Kobayashi.

Michael é um gato laranja como tantos outros: adora comer, dormir e se aconchegar em sítios quentinhos. Porém, sua curiosidade sempre mete-o em sarilhos. Em O gato que dança vamos conhecer as suas outras habilidades como dançar, gerir uma empresa e criar uma família!

O autor, Makoto Kobayashi nasceu em 1958, em Niigata, e desde criança já começou a desenhar histórias baseadas nas séries que lia semanalmente. Em 1977 mudou-se para Tóquio e tornou-se assistente de Mikiya Mochizuki, e no ano seguinte teve a sua estreia profissional. Alguns anos depois, enquanto desenhava uma série sobre um artista de mangás, o seu editor notou que um capítulo com um gato teve uma boa resposta do público. Assim, o editor pediu uma nova série, focada em gatos e batizou-o de Michael, aproveitando o enorme sucesso de Michael Jackson e o clipe de Thriller que havia estreado há pouco.

Então, Michael?! ganhou em 1986 o Prémio Kodansha de Mangás.

Então, Michael?!: O gato que dançaMakoto Kobayashi, Sendai Editora, 224 pp., p&b, capa mole, 9,90€

8 de novembro de 2025

Entre o Juízo e o Interesse: As Promiscuidades da Crítica Literária Contemporânea

Em teoria, a crítica literária deveria ser o espaço da independência, do juízo informado e da reflexão livre. O crítico, na sua função ideal, surge como mediador entre o texto e o leitor, alguém que lê com rigor, pondera com distanciamento e escreve com responsabilidade intelectual. Contudo, o mundo literário, longe de ser um território puro, é um campo permeado por relações de poder, dependências simbólicas e, muitas vezes, por um certo cálculo de conveniências. É nesse terreno ambíguo que emergem as eventuais promiscuidades entre críticos literários e editoras — um tema tão delicado quanto inevitável.

A crítica como mediação e como mercado

Desde sempre, a crítica coexistiu com a lógica editorial. Os críticos escrevem sobre livros que as editoras publicam; as editoras precisam de críticas que divulguem as suas obras. Em princípio, essa relação poderia ser de complementaridade saudável: a crítica dá visibilidade à literatura; a editora mantém vivo o circuito de publicações que alimenta a crítica. Mas quando o equilíbrio se rompe, instala-se a promiscuidade — isto é, a cedência da autonomia crítica em nome de um benefício material, simbólico ou relacional.

Na prática contemporânea, muitas vezes, o crítico depende do envio gratuito dos livros pelas editoras. É um gesto aparentemente inócuo, uma tradição antiga. Contudo, esse pequeno privilégio cria uma relação de expectativa e de reconhecimento mútuo: o crítico sente-se devedor do editor que lhe facilita o acesso às novidades, e o editor espera, em troca, visibilidade favorável. A partir desse ponto, o campo da crítica torna-se menos uma arena de debate e mais um jogo de delicadezas diplomáticas.

O medo da reprovação e o silêncio estratégico

O problema maior, contudo, não reside apenas na cedência explícita, mas antes no medo de contrariar o sistema. Muitos críticos, temendo perder o acesso às obras ou ser ostracizados por editoras influentes, preferem o silêncio à reprovação. Em vez da crítica negativa, surge a omissão; em vez da leitura rigorosa, a nota de imprensa disfarçada de recensão. Esta tendência, subtil mas corrosiva, esvazia o papel da crítica como espaço de avaliação estética e ética, transformando-a num prolongamento da máquina promocional.

A promiscuidade, neste contexto, não se mede apenas por favores materiais, mas por conveniências simbólicas: a vontade de ser convidado para festivais literários, de manter boas relações com autores consagrados, de evitar polémicas que possam comprometer oportunidades futuras. Assim, a crítica perde a sua função pública e torna-se cúmplice da mediocridade que deveria denunciar.

Responsabilidade e ética crítica

Não se trata, evidentemente, de condenar toda a relação entre críticos e editoras. O diálogo é necessário e legítimo. Mas é fundamental reconhecer que a crítica só cumpre o seu papel se mantiver uma distância ética e intelectual. O crítico não é — ou não deveria ser — um agente de marketing; é um intérprete, um leitor especializado que serve a literatura e o público, não os interesses de uma casa editorial.

Exigir independência crítica é também exigir transparência: que os leitores saibam quando um texto é uma recensão genuína e quando é, afinal, um gesto de cortesia institucional. Num meio pequeno como o literário, onde todos se conhecem, esta fronteira é ténue, mas não por isso menos necessária.

Conclusão: o risco da complacência

A promiscuidade entre crítica e edição é, em última análise, um sintoma de um problema maior: a mercantilização da cultura. Quando o livro se torna apenas um produto e o crítico um intermediário publicitário, perde-se a dimensão moral e estética da leitura. A crítica, então, deixa de formar leitores e passa a reproduzir consensos.

Resgatar a independência crítica é um acto de resistência cultural. Exige coragem, lucidez e uma certa solidão intelectual. Mas é talvez nesse incómodo — e não na cortesia — que reside a verdadeira dignidade da crítica literária.

6 de novembro de 2025

Casemate #195

A Casemate, revista francesa especializada em banda desenhada, combina entrevistas de autores, reportagens, críticas, pranchas comentadas e actualidade do “9.º arte”.

O número 195, referente ao mês de Novembro de 2025, já está disponível nas bancas portuguesas. 

O sumário é o seguinte:

P.4-9 Astérix et Obélix reprennent goût au voyage en Lusitanie (+2 planches)
P.10-12 Solé et Le Gouëfflec racontent Marcel Gotlib en “bandessinées”
P.14-18 Aider un terroriste sans savoir… le calvaire de L’Homme du dernier kilomètre
P.20-22 Journorama, revue de presse de l’actu BD
P.24-25 L’Écho des Rézos, le meilleur de Facebook, X, Bluesky, Instagram…
P.28-31 Cabanes et Headline retrouvent le détective barré de Manchette (+2 planches)
P.32-37 Loisel ouvre les portes de l’atypique Dernière maison avant la forêt (+4 planches)
P.38-43 Jour de vote au Château des animaux de Dorison et Delep ! (+4 planches)
P.44-49 Lepage de retour aux Terres australes, pour un périple humain et animal (+4 planches)
P.50-59 Largo Winch se débat contre les drones assassins de Francq et Guez (+4 planches)
P.60-69 Une sélection de 24 BD à découvrir en novembre
P.70-73 Agenda : les 221 sorties de novembre, les festivals et les expos
P.74-79 Avant Blacksad, Weekly ferraillait contre la censure des comics (+4 planches)
P.80-85 Oger s’entoure de dessinatrices pour honorer les Women of the West (+4 planches)
P.86-91 Hub ensanglante Le Serpent et la Lance, son thriller aztèque (+4 planches)
P.92-95 Bienvenu projette des arcs-en-ciel sur grand écran avec Arco
P.96-97 Charles tout près du ring, au côté de Bellows
P.98 Le courrier du mois à la loupe

Casemate #195, novembre 2025, cor, 9,80€

dBD #197

Os principais destaques do número 197 da revista francesa dBD, já disponível nas bancas portuguesas, são os seguintes:

A artista Elène Usdin surge em destaque (“À la Une”) com o seu novo álbum Detroit Roma, argumentado por Boni. A revista salienta que, após o sucesso de René·e aux bois dormants, Usdin “nos reencanta” com esta nova obra;

Philippe Ghielmetti: explorando o trabalho de “gráficos de álbuns de banda desenhada” — uma função muitas vezes invisível, mas crucial;

Régis Loisel: um grande autor de BD, relatado o seu “grande retorno”;

Dorothée de Monfreid: uma imersão no backstage de um espectáculo na Ópera Garnier — num cruzamento entre BD e cenografia/teatro;

Thierry Smolderen: focado no papel do argumentista na banda desenhada, neste caso com referência ao seu álbum Moonlight Express;

Um texto dedicado à animação, com Ugo Bienvenu, autor de Préférence Système;

Também há um destaque às capas de Renaud Roche, ao desvendar o processo criativo por detrás da capa de A Guerra de Lucas.

dBD #197, cor, 112 pp. 13,90€

Pessoa fragmentado - Antologia

Pessoa Fragmentado – Antologia foi editada pelo colectivo Tágide em parceria com o hotel Lisboa Pessoa Hotel, lançada este mês para assinalar os 90 anos do falecimento do poeta Fernando Pessoa

Trata-se de uma antologia que adapta contos e poemas de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos para a linguagem da banda desenhada. 

Na obra participam vários autores de BD nacionais: Mário André (ex: Quaresma, o Decifrador), Jorge  Rodrigues (ex: Dark Cruzade), João Raz (ex: Outros Mundos, Outras Fantasias), José M. Bandeira, Maria João Claré, Yves Darbos, António Coelho (ex: Capitão Morsa e Amigos) e Rafael Marquês.

A capa é da artista Patrícia Costa (ex: Crónicas de Enerelis) e uma ilustração convidada de Penim Loureiro (ex: Umbigo do Mundo). A direção e grafismo ficaram a cargo de José Macedo Bandeira e Jorge Rodrigues.

A antologia explora a obra de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos — múltiplas personalidades literárias como por exemplo Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Bernardo Soares — e adapta-as em formato BD.

O título Fragmentado sugere uma visão de Pessoa como ser plural, fragmentário, com múltiplas vozes e identidades que se cruzam. Cada autor traz a sua linguagem gráfica e narrativa, resultando numa diversidade de estilos visuais e tonais, o que permite ver diferentes interpretações da poesia e dos contos originais na linguagem da banda desenhada.

A colaboração com um hotel literário (Lisboa Pessoa Hotel) reforça o carácter simbólico da obra: ligar a cidade de Lisboa, Fernando Pessoa e a BD como veículo de reinterpretar a cultura literária portuguesa.

Em suma, Pessoa Fragmentado – Antologia é uma publicação que assinala uma data simbólica (90 anos da morte de Fernando Pessoa) e que oferece uma forma inovadora de revisitar o poeta e os seus heterónimos através da banda desenhada. A diversidade de vozes e estilos, bem como o carácter simbólico e artístico da edição, fazem-na uma obra de interesse tanto para leitores de BD como para apreciadores da literatura portuguesa clássica.

Pessoa fragmentado - Antologia, Colectivo, Tágide, 98 pp., cor, capa mole

5 de novembro de 2025

A Menina que Veio do Outro Lado Siúil, a Rún – Livro 11

Chegamos ao volume derradeiro desta série encantadora e melancólica. Neste tomo, tudo se desfaz — literalmente. A casa de pedra onde Shiva e o Doutor viveram, o ranger do soalho, o crepitar do fogo na lareira… já são apenas memórias distantes. O tempo, inexorável, faz o seu papel. E embora o mundo continue a girar, imutável, para os protagonistas restam apenas as sombras do que foram e do que perderam.

A grande pergunta que domina este volume é: o que resta dos últimos momentos de Shiva e do Doutor? Este é o fim do conto de fadas sobre dois seres — um humano; outro não humano — e sobre as manhãs, as noites, a luz e as sombras em que se encontraram.

A Menina que Veio do Outro Lado Siúil, a Rún – Livro 11, Nagabe, Editorial Presença, 184 pp., p&b, capa mole, 11,90€

“A Requiem on Stage”: A nova banda desenhada de Pedro Nascimento e Miriam Franco promete mistério e rebeldia nos anos 60

A editora Gorila Sentado lança uma das obras mais aguardadas do panorama da nova banda desenhada portuguesa: A Requiem on Stage, uma criação de Pedro Nascimento, desta vez com Miriam Franco no argumento.

O anúncio chega poucos meses depois de Pedro Nascimento ter conquistado o Prémio Revelação nos Prémios de Banda Desenhada da Amadora, graças à sua aclamada obra Tales From Nevermore, coassinada por Manuel Monteiro. Agora, o jovem autor regressa com um projeto ambicioso que promete unir o espírito livre dos anos 60 a uma narrativa de suspense psicológico e teatral.

A história de A Requiem on Stage transporta-nos para a década de 1960, onde uma trupe de jovens hippies viaja pelo país, espalhando arte, rebeldia e ideais de liberdade através das suas performances teatrais. Quando aceitam uma proposta para actuar numa aldeia remota, tudo parece perfeito — uma oportunidade de ganhar o dinheiro que tanto precisam e continuar a viver do seu sonho artístico.

Mas o que os espera é muito mais do que um simples espetáculo. A aldeia esconde segredos sombrios e mistérios inquietantes, e à medida que o grupo se prepara para o grande espetáculo, a atmosfera torna-se cada vez mais densa e claustrofóbica. O palco, outrora símbolo de expressão e criação, transforma-se num espaço de tensão e desconfiança — e a verdade, quando revelada, promete um final tão arrepiante quanto inesquecível.

A união entre Miriam Franco e Pedro Nascimento dá origem a uma obra que combina argumento sólido e poético com uma componente visual intensa e atmosférica.

Se Tales From Nevermore já revelava o talento de Nascimento para o detalhe e para o jogo entre luz e sombra, A Requiem on Stage promete elevar essa abordagem, explorando as fronteiras entre arte, loucura e medo.

Entre o espírito boémio dos anos 60 e os ecos sombrios de um mistério rural, A Requiem on Stage promete ser uma experiência intensa e visualmente deslumbrante, confirmando Pedro Nascimento como uma das vozes mais originais da nova geração da banda desenhada portuguesa.

A Requiem on Stage, Pedro Nascimento e Pedro Franco, Gorila Sentado, 28 pp., p&b, 8€