“...Não se ponha agora com medos, estes são os territórios virgens! Iremos encontrar toda a espécie de bichos inimagináveis...”
Depois de quase uma década passada sobre o seu último livro, Salazar, Agora, na Hora da sua Morte (com argumento de João Paulo Cotrim), Miguel Rocha, um dos maiores e mais aclamados autores de BD nacionais regressa com este seu A Rainha dos Canibais, uma viagem através do colonialismo e do império português, da África imaginada e romantizada, e de um exotismo que lembra o dos pulps, onde este livro vai buscar muita da sua inspiração. Uma viagem feita num espectacular desenho a preto e branco, solto e vibrante, que respira as cores da África mesmo sem que elas apareçam nas páginas do livro, num estilo surpreendentemente novo do autor. Um livro de um humor sardónico e mesmo sarcástico, frequentemente imbuído de nonsense, cheio de crítica mordaz e demolidora aos portugueses do tempo do colonialismo, e à sua hipocrisia e crueldade.
Bárbara acaba de cair numa África sem tempo nem lugar fixos, onde rapidamente se entranhará por territórios misteriosos e míticos, que são também os territórios maravilhosos da imaginação. Aí, ela encontrará K’Merit, uma amazona negra, tribos selvagens e feras bestiais, e, bem mais perigosos e cínicos, colonos, soldados, o seu marido Armando e toda a trupe dos representantes da civilização colonialista com o seu racismo, sobranceria e incompreensão das realidades distantes. Tudo numa sequência arrebatante de aventuras e acção, exotismo e humor, onde vemos também toda a homenagem que o autor faz à BD de aventuras e dos pulps da sua juventude.
“...Poderemos ler, então, A Rainha dos Canibais como uma ode, ou antes uma cantiga de escárnio, ao imaginário euro-colonialista, paternalista, imperalista e chauvinista que tanto tempo pautou estas produções (...) Em suma, o livro de Rocha vasculha todo um corpo de ficções que foram eficazes na construção daquilo que Edward Said chamou de “geografias imaginárias” e que nutrem muitas das ideias feitas ou distorcem a percepção dos factos mesmo nos dias de hoje. A Rainha não é uma “revisitação” tão-somente, “homenagem” ou “recuperação”, mas antes um gesto de desmontagem sarcástica desse mesmo imaginário através de uma estrutura quase absurda...”
Pedro Vieira de Moura, in LerBd.pt
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