24 de dezembro de 2025
22 de dezembro de 2025
Nautilus #2: A herança do Capitão Nemo
Depois de um primeiro tomo marcadamente introdutório, A herança do Capitão Nemo mergulha de forma decidida nas consequências deixadas por uma das figuras mais enigmáticas da literatura de aventura. A acção retoma os fios narrativos lançados anteriormente e acompanha um conjunto de personagens que, directa ou indirectamente, se vêem envolvidas na disputa pelo legado científico, político e simbólico de Nemo.
A sua sombra aterrorizou os oceanos, e fez tremer nações inteiras durante anos. Génio científico, cego pela vontade de vingança e justiça, nunca quis ser conhecido de ninguém. Mas a posteridade gravou o seu nome: Nemo. Kimball, agente da coroa britânica, conseguiu libertar um Capitão Nemo já envelhecido, da longínqua fortaleza russa onde estava aprisionado. Agora, chegados ao esconderijo do Nautilus, terão de empreender uma perigosa viagem em busca dos documentos que podem inocentar Kim e impedir uma guerra generalizada… e terão de sobreviver a uma inimizade nascente entre ambos! O volume final desta dramática saga de acção, que reúne os tomos 2 e 3 da série francesa.
A narrativa deixa claro que o Nautilus não é apenas uma maravilha tecnológica, mas um símbolo carregado de significado, capaz de alterar equilíbrios de poder. As personagens são obrigadas a posicionar‑se, escolhendo entre a apropriação oportunista desse legado ou a tentativa de compreender e preservar o espírito que esteve na sua origem.
A série deixa assim de se limitar à evocação de Júlio Verne, dialogando activamente com o seu universo e reinterpretando‑o à luz de novos conflitos e personagens.
Nautilus #2: A herança do Capitão Nemo, Matthieu Mariolle e Guénaël Grabowski, Arte de Autor/A Seita, 120 pp., cor, capa dura, 26€
17 de dezembro de 2025
A Aventura do Bolo de Natal: Um clássico de Agatha Christie em Banda Desenhada
O conto original, publicado em meados do século XX, apresenta um Poirot convidado a passar o Natal numa propriedade campestre inglesa, onde uma reunião aparentemente festiva rapidamente se transforma num enigma repleto de pistas falsas, segredos de família e um ambiente de tensão contida. A adaptação de Taracido e Bottier preserva esta atmosfera, enriquecendo-a com um trabalho gráfico de grande apuro.
O traço de Alberto Taracido revela-se particularmente eficaz na recriação do ambiente tradicional inglês, com interiores acolhedores, paisagens invernosas e personagens que, embora caricaturadas de forma subtil, mantêm a elegância própria do universo Christie. As expressões, gestos e pequenos detalhes visuais ajudam a sublinhar aquilo que o texto apenas sugere, convidando o leitor a desempenhar o papel de detective ao lado de Poirot.
Já Isabelle Bottier, responsável pela adaptação do argumento, consegue equilibrar a fidelidade ao conto com a fluidez narrativa necessária à banda desenhada. A história mantém-se clara e envolvente, com um ritmo que alterna habilmente entre momentos de diálogo, introspecção e revelações típicas do método dedutivo do detective belga.
Esta versão em BD constitui não só uma porta de entrada acessível ao universo de Agatha Christie para leitores mais jovens, como também um objecto de interesse para fãs antigos que desejem redescobrir o conto sob uma nova perspectiva. A conjugação entre texto e imagem permite reviver o mistério natalício com frescura e dinamismo, sem perder a essência do original.
A Aventura do Bolo de Natal em banda desenhada é, portanto, uma homenagem bem conseguida a uma das histórias mais saborosas – em todos os sentidos – da Rainha do Crime, trazendo Hercule Poirot para perto de um público contemporâneo sem comprometer o charme clássico que tem encantado gerações.
A Aventura do Bolo de Natal, Alberto Taracido e Isabelle Bottier, Arte de Autor, 48 pp., cor, capa dura, 17,50€
14 de dezembro de 2025
Blast #1/2: Carcaça gorda
Blast começa com a figura de Polza, um homem que vive à margem da sociedade, um indivíduo marcado por uma violência interna que ele próprio não compreende totalmente. O enredo é uma mistura entre o relato da sua vida passada e a narrativa de um evento traumático, ao qual ele parece se submeter, por uma espécie de catarse, mas também por um impulso autodestrutivo.
A estrutura da história é não linear, alternando entre o presente de Polza, enquanto ele está numa espécie de prisão, e as suas memórias sobre o que o levou até ali, com destaque para as suas interações com outros personagens. A narrativa é fluída, mas ao mesmo tempo desorientadora, uma escolha deliberada que reflecte o próprio estado de espírito do protagonista.
Ao longo da obra, Larcenet constrói uma trama sobre um homem a tentar entender a sua própria identidade. Polza não é simplesmente um “anti-herói” ou um sujeito marcado pela violência, mas alguém que, através das suas experiências, tenta descobrir o que significa ser humano. A falta de controlo sobre as suas emoções e acções, as suas reacções brutais, e a constante luta para compreender o que está a acontecer consigo mesmo, fazem de Blast uma obra sobre a perda de controlo e a tentativa de reconstrução de um sentido, algo que muitos de nós provavelmente já vivemos em diferentes momentos.
A profundidade psicológica de Polza é um dos grandes trunfos da obra. Larcenet não oferece respostas fáceis, e é justamente nesse espaço de incerteza que Blast encontra a sua força narrativa. O leitor vê-se compelido a reflectir sobre a natureza da loucura, da alienação e da procura de um propósito em meio ao caos. O autor não poupa o leitor de cenas cruéis ou intensas, mas isso serve para criar uma sensação de urgência e desconforto, forçando o público a mergulhar cada vez mais fundo nas angústias do protagonista.
A arte de Blast é outro elemento essencial para a narrativa, e a sua influência sobre a experiência do leitor não pode ser subestimada. Larcenet, conhecido pelo seu estilo realista, usa a arte como um reflexo directo do estado psicológico de Polza. O traço é detalhado, mas ao mesmo tempo, há uma certa “rugosidade” e crueza que encaixa perfeitamente com a natureza desorganizada e violenta da história.
As cenas de acção, muitas vezes caóticas e brutais, são contrastadas com momentos de introspecção mais suaves, mas igualmente carregados de tensão emocional. Há uma ênfase nas expressões faciais e nas posturas corporais, que comunicam muito mais do que as palavras, tornando as reacções dos personagens e os silêncios mais impactantes. O uso do preto e branco adiciona uma sensação de opressão e mistério, o que eleva ainda mais o tom sombrio da história.
Blast #1 (de 2): Carcaça gorda, Manu Larcenet, Ala dos Livros, 408 pp., cor, capa dura, 49,90€
13 de dezembro de 2025
O Preço da Desonra #2: Crónicas de Kubidai
Japão, período Edo. Os clãs e os seus líderes disputam território e guerreiam por poder. No calor da batalha, guerreiros samurais evitam a morte a troco de quantias exorbitantes pagas aos seus executores. Ao longo de quatro novas histórias, voltamos à companhia de Hanshiro, o implacável cobrador de dívidas, que exige que se cumpram estas promissórias. Com um desenho magistral, Hirata volta a contar-nos como a glória e a honra, associadas aos códigos samurais, podem cair por terra ou elevarem-se aos extremos da ética e da moral, dependendo de quem os pratica. E Portugal, através d’A Seita, é apenas o segundo país no mundo a ver todas estas histórias num único volume.
Assim como Akira Kurosawa imortalizou as histórias de samurais no cinema, Hirata deu-lhes realismo e grandeza no mangá.
A Seita e a sua chancela de mangá, a Ikigai (生きがい), tem a honra de apresentar, pela segunda vez em português de Portugal, um dos maiores mangakás da história da arte de banda desenhada, Hiroshi Hirata. Trata-se de um (cada vez menos) ilustre desconhecido em terras lusas, com um peso na nona arte que iguala gigantes como Kazuo Koike e Goseki Kojima, os autores do seminal Lone Wolf & Cub, ou Sanpei Shirato, de Kamui-Den, e mesmo Katsuhiro Otomo, do conhecido Akira. A obra que vos trazemos é O Preço da Desonra: Crónicas de Kubidai, um verdadeiro tratado do que são histórias de samurais, que nada deve a outras artes e a outros mestres como Akira Kurosawa (Ran; Yojimbo). Remete-nos para um dos mais importantes momentos da história do Japão, o período Edo, alvo de tanta curiosidade, não só pelos próprios japoneses, como também pelo resto do mundo.
Samurais e ronins, e os poderosos chefes de clãs nobres e guerreiros do Japão da época do final das guerras, no início do século XVII, quando se inicia o período Edo, são algumas das imagens e nomes que mais ressoam em todos os entusiastas de literatura de guerra e de aventura. É neste ambiente que decorrem as quatro novas histórias deste Shin Kubidai Hikiukenin, O Preço da Desonra: Crónicas de Kubidai. Hirata voltou à personagem de Hanshiro em 1997, e em 1999 foi publicado o volume com (quase) todas estas novas histórias. Um dos capítulos não tinha sido incluído, e foi a editora Pipoca & Nanquim, do Brasil, quem primeiro publicou este regresso, num integral com as quatro crónicas. E A Seita adapta este volume ao nosso português de Portugal, a partir da tradução de Drik Sada. Este volume inclui as quatro novas histórias da personagem, que podem todas ser lidas independentemente umas das outras (e não é necessário ter lido o primeiro volume para apreciar esta segunda recolha de histórias).
Se a imaginação dos leitores se empolga com os feitos dos samurais, das batalhas e conflitos em que se regiam pelo bushido, a via do guerreiro, toda ela feita de honra e desprezo pela morte, o próprio título deste volume anuncia que as histórias aqui incluídas se afastam dessas premissas. Porque é dos traços opostos aos do bushido que estas histórias tratam: do medo de morrer, de promessas de dinheiro a troco de ter a vida salva, da vergonha e da desonra que isso acarreta para aqueles que assinaram no campo de batalha essas notas promissórias... mas também do outro lado do espelho. Daqueles que, ao ver este lado negro, brilham mais forte, num assomo de ética e moral.
É desse modo que Hanshiro, o cobrador de dívidas, funciona como um observador imparcial, mas sensível, da realidade da vida dos samurais num dos períodos mais conturbados da história do Japão.
Hiroshi Hirata nasceu em 1937, na cidade de Tóquio, e desde muito cedo se interessou pelo mundo dos mangás. Aos 21 anos publica a sua primeira história no género histórico, o jidaigeki, na revista Mazo. Começou assim uma longa carreira em que se notabilizou como um dos grandes mestres do estilo gekigá (dramas realistas e históricos), com histórias centradas nos samurais e no rígido código de honra que norteia as suas vidas. Alcançou grande notoriedade com a série Satsuma Gishiden, com um estilo comparável ao de outros mestres como Sanpei Shirato, Goseki Kojima, etc... O Preço da Desonra: Kubidai Hikiukenin, foi publicado originalmente de 1971 a 1973, e foi publicado em Portugal pel’A Seita numa edição definitiva que reúne as sete histórias clássicas de Hanshiro, um ronin cobrador de dívidas, agora seguida por este segundo volume, que inclui as quatro histórias posteriores.
Para além do reconhecimento que obteve como mangaká, Hirata era um calígrafo de grande renome, tendo criado a caligrafia do título do mangá Akira. Admirado por figuras como Yukio Mishima ou Jodorowsky, a sua obra acabaria por torná-lo num dos maiores dos expoentes do gekigá e influenciar gerações posteriores. Faleceu em 2021, aos 84 anos de idade.
A edição portuguesa conta ainda com dois posfácios, um pelo próprio Hiroshi Hirata, e outro por Pedro Bouça, entusiasta da BD e da cultura japonesa em geral e do mangá em particular, e inclui igualmente oito páginas a cores que Hirata coloriu usando pela primeira vez técnicas digitais de cores.
O Preço da Desonra #2: Crónicas de Kubidai, Hiroshi Hirata, A Seita, 360 páginas, p/b (8 pgs. a cores), capa mole, 23,99€
12 de dezembro de 2025
Canalha Borrada
São uma dezena de histórias, algumas pouco mais que episódios desopilantes ou apontamentos de mau gosto adolescente idiota, outras pequenas pérolas de narrativa que de algum modo poderíamos baptizar de “punk pseudo-rural sujo e feio”, e todas cómicas (embora às vezes nos façam chorar com pena dos desgraçados dos avós), e ilustradas com figuras e paisagens caricatas e muito divertidas!
O autor ofereceu por uma pequena e módica quantia cuecas borradas aos primeiros que compraram o livro no lançamento na Bedeteca do Porto, e achamos que isso diz tudo!!
Zé Lázaro Lourenço, nascido em 1999 em Santa Maria da Feira, trabalhou em várias áreas, fast food, professor do 1.º ciclo e até foi palhaço. Actualmente dedica-se à ilustração e banda desenhada. O seu trabalho foca-se, desde criança, numa estética punk e javarda. Frequenta o Mestrado de Ilustração, Edição e Impressão nas Belas Artes do Porto. Sofre de calvície e partiu os braços quatro vezes.
Canalha Borrada, A Seita/Turbina/Mundo Fantasma, 80 pp., p&b, capa mole, 12,99€
BUG - Livro 4: Enki Bilal e o mundo depois do colapso digital
Bilal usa esta premissa para criticar a nossa dependência tecnológica e mostrar como, sem o apoio invisível do digital, as estruturas sociais revelam fragilidades profundas. Kameron torna-se o símbolo de todas as tensões entre privacidade, poder e sobrevivência.
Visualmente, o autor mantém o seu estilo inconfundível: tons frios, rostos marcados, cenários degradados que reforçam o sentimento de um mundo à deriva. Cada prancha combina beleza e inquietação.
Este quarto volume não resolve o mistério do “bug”, mas intensifica-o. É um capítulo de transição que prepara o terreno para revelações futuras, consolidando BUG como uma das obras mais visionárias de Bilal nos últimos anos.
BUG - Livro 4, Enki Bilal, Arte de Autor, 80 pp., cor, capa dura, 23,50€







