A crítica como mediação e como mercado
Desde sempre, a crítica coexistiu com a lógica editorial. Os críticos escrevem sobre livros que as editoras publicam; as editoras precisam de críticas que divulguem as suas obras. Em princípio, essa relação poderia ser de complementaridade saudável: a crítica dá visibilidade à literatura; a editora mantém vivo o circuito de publicações que alimenta a crítica. Mas quando o equilíbrio se rompe, instala-se a promiscuidade — isto é, a cedência da autonomia crítica em nome de um benefício material, simbólico ou relacional.
Na prática contemporânea, muitas vezes, o crítico depende do envio gratuito dos livros pelas editoras. É um gesto aparentemente inócuo, uma tradição antiga. Contudo, esse pequeno privilégio cria uma relação de expectativa e de reconhecimento mútuo: o crítico sente-se devedor do editor que lhe facilita o acesso às novidades, e o editor espera, em troca, visibilidade favorável. A partir desse ponto, o campo da crítica torna-se menos uma arena de debate e mais um jogo de delicadezas diplomáticas.
O medo da reprovação e o silêncio estratégico
O problema maior, contudo, não reside apenas na cedência explícita, mas antes no medo de contrariar o sistema. Muitos críticos, temendo perder o acesso às obras ou ser ostracizados por editoras influentes, preferem o silêncio à reprovação. Em vez da crítica negativa, surge a omissão; em vez da leitura rigorosa, a nota de imprensa disfarçada de recensão. Esta tendência, subtil mas corrosiva, esvazia o papel da crítica como espaço de avaliação estética e ética, transformando-a num prolongamento da máquina promocional.
A promiscuidade, neste contexto, não se mede apenas por favores materiais, mas por conveniências simbólicas: a vontade de ser convidado para festivais literários, de manter boas relações com autores consagrados, de evitar polémicas que possam comprometer oportunidades futuras. Assim, a crítica perde a sua função pública e torna-se cúmplice da mediocridade que deveria denunciar.
Responsabilidade e ética crítica
Não se trata, evidentemente, de condenar toda a relação entre críticos e editoras. O diálogo é necessário e legítimo. Mas é fundamental reconhecer que a crítica só cumpre o seu papel se mantiver uma distância ética e intelectual. O crítico não é — ou não deveria ser — um agente de marketing; é um intérprete, um leitor especializado que serve a literatura e o público, não os interesses de uma casa editorial.
Exigir independência crítica é também exigir transparência: que os leitores saibam quando um texto é uma recensão genuína e quando é, afinal, um gesto de cortesia institucional. Num meio pequeno como o literário, onde todos se conhecem, esta fronteira é ténue, mas não por isso menos necessária.
Conclusão: o risco da complacência
A promiscuidade entre crítica e edição é, em última análise, um sintoma de um problema maior: a mercantilização da cultura. Quando o livro se torna apenas um produto e o crítico um intermediário publicitário, perde-se a dimensão moral e estética da leitura. A crítica, então, deixa de formar leitores e passa a reproduzir consensos.
Resgatar a independência crítica é um acto de resistência cultural. Exige coragem, lucidez e uma certa solidão intelectual. Mas é talvez nesse incómodo — e não na cortesia — que reside a verdadeira dignidade da crítica literária.


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