No centro da narrativa está Will, um homem idoso que, após a morte do seu cão — o seu último elo afectivo —, se confronta com o vazio e o peso do tempo. A partir desse momento, decide pôr em ordem os assuntos da sua vida, revisitando memórias, arrependimentos e relações passadas. O “testamento” a que o título alude não é apenas legal, mas sobretudo existencial: trata-se de um balanço moral e emocional de uma vida que se aproxima do fim. Em torno de Will orbitam outras personagens — como Betty, uma apresentadora de televisão, ou Terry, um médico —, cujas histórias se cruzam subtilmente, compondo uma teia de solidão, perda e redenção.
O texto de André Oliveira é contido e poético, explorando o silêncio e a sugestão mais do que o diálogo explícito. A estrutura episódica dos fascículos reforça a sensação de fragmento e memória, como se cada parte fosse uma peça de um puzzle emocional. O argumento recusa o melodrama fácil, optando por uma melancolia contida, profundamente humana e universal.
Living Will distingue-se ainda pela coragem formal e temática. Publicar uma banda desenhada portuguesa em inglês, em fascículos de pequena tiragem, foi um gesto ousado e quase artesanal — um verdadeiro acto de resistência artística num mercado dominado por traduções e formatos comerciais. A obra afirma-se, assim, como um exemplo de banda desenhada de autor, introspectiva e literária, que trata temas universais — a passagem do tempo, o sentido da vida, a necessidade de deixar algo de si — com sensibilidade e inteligência.
A reedição integral em português, mais de uma década após o início da publicação, confirma Living Will como uma referência na BD portuguesa do século XXI. É uma história sobre envelhecer, sobre o que significa ter vivido — e sobre a persistente vontade de ser lembrado, mesmo quando tudo o resto se apaga.
A edição apresenta-se com duas capas, um capítulo adicional desenhado por Joana Afonso, uma galeria de imagens por 13 autores convidados: Jorge Coelho, Miguel Rocha, Filipe Abranches, Inês Galo, Carline Almeida, Kachisou, Paulo Monteiro, Carla Rodrigues, Francisco Sousa Lobo, Catarina Paulo, Pedro Brito, Joana Mosi e Filipe Andrade. A obra encerra com uma entrevista aos autores, por Gabriel Martins.



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