26 de novembro de 2025

El Diablo

El Diablo, de Lewis Trondheim (argumento) e Alexis Nesme (ilustração) alia humor sombrio, fantasia e um olhar mordaz sobre o comportamento humano. Inserido no projecto Monstres, o livro retoma a tradição de revisitar criaturas lendárias, mas sempre com uma abordagem autoral e irónica, típica de Trondheim.

As coisas estão a correr mal no galeão do capitão espanhol Santoro, nestes dias aventurosos do século XVI. Os mantimentos esgotaram-se, por isso escolheu um grumete... para o comer! O jovem José, agora na ementa da tripulação, avista felizmente uma terra desconhecida e escapa à morte culinária! Nessa terra desconhecida, irá descobrir um animal estranho — amarelo, com manchas negras e uma longa cauda — que Santoro fere, e que quase mata José.

Acolhido pelos índios Chahuta, o grumete descobre que se tornou uma espécie de parente espiritual do Marsupilami, o "espírito da floresta", ao qual está de agora em diante ligado por um elo mágico. Os dois vivenciarão, assim, o sofrimento e as emoções um do outro...

O início de uma relação especial que rapidamente se complicará por causa da desbragada sede de ouro do Capitão Santoro, determinado a deitar as mãos ao suposto El Dorado dos Chahuta...

A narrativa, construída como uma fábula obscura, alterna momentos de franca comicidade com situações de tensão quase grotesca. Trondheim desmonta lugares-comuns das histórias de monstros, aproximando-se, por vezes, do espírito de sátira que se encontra nas aventuras do Marsupilami de André Franquin — não pela inocência ou pelo ritmo slapstick, mas pela habilidade em mostrar como o ser humano reage de modo caótico quando confrontado com o desconhecido e o extraordinário.

A arte de Alexis Nesme reforça esta ambivalência: o traço é minucioso, expressivo, cheio de cor e textura, capaz de misturar encanto e inquietação numa mesma vinheta. Tal como em A Fera, de , onde a criatura funciona como espelho das fragilidades humanas, também em El Diablo o “monstro” é menos importante do que o que ele revela sobre a comunidade — os seus medos, preconceitos e impulsos irracionais.

Longe de ser apenas uma história sobrenatural, El Diablo funciona como comentário social. A facilidade com que o pânico se instala, a busca apressada por culpados e a necessidade de justificar o inexplicável são temas centrais. Com humor negro e uma certa ternura disfarçada, Trondheim e Nesme constroem uma obra que entretém e, ao mesmo tempo, questiona a natureza das crenças colectivas.

O resultado é uma leitura envolvente, visualmente rica e cheia de camadas, que agradará tanto aos leitores de fantasia como aos apreciadores de narrativas irónicas e inteligentes — uma obra que dialoga com a tradição da banda desenhada franco-belga, mas com voz própria e inconfundível.

El Diablo, Alexis Nesme e Lewis Trondheim, A Seita, 64 pp., cor, capa dura






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