31 de outubro de 2025

Entradas na minha biblioteca de BD no mês de Outubro de 2025

 






inVISÍVEIS - Histórias de Banda Desenhada Que Desmistificam Preconceitos sobre a Deficiência

A CERCIOEIRAS, Cooperativa de Educação e Reabilitação de Cidadãos com Incapacidade CRL, comemora 50 anos de missão com o lançamento do livro inVISÍVEIS - Histórias de Banda Desenhada Que Desmistificam Preconceitos sobre a Deficiência, uma antologia inédita que reúne alguns dos mais talentosos autores da banda desenhada contemporânea portuguesa. A obra será apresentada no Festival Amadora BD, no dia 2 de Novembro, às 17h20.

O livro conta seis histórias de banda desenhada, com seis olhares artísticos distintos, mas com o mesmo compromisso: a inclusão e a empatia. Cada narrativa mergulha em experiências que cruzam a vivência da deficiência com a missão transformadora da CERCIOEIRAS, dando corpo a histórias que reflectem sobre barreiras sociais, invisibilidades e a urgência de construir uma sociedade verdadeiramente inclusiva. 

Coordenado por Hugo Pinto, o livro conta com histórias assinadas por Daniel Maia, Joana Afonso, Luís Louro, Osvaldo Medina, Paulo J. Mendes, Ricardo Santo e Susana Resende, e tem capa original de Jorge Coelho.

O livro inVISÍVEIS estará disponível a partir do dia 24 de Outubro no Festival Amadora BD - nos stands A SEITA e Kingpin Books.

inVISÍVEIS - Histórias de Banda Desenhada Que Desmistificam Preconceitos sobre a Deficiência, Colectivo, Cercioeiras, 48 pp., cor, capa dura, 14,90€

Leituras de BD no mês de Outubro de 2025

 






30 de outubro de 2025

Butterfly Chronicles

A editora Escorpião Azul lança durante o Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora 2025- AmadoraBD, o seu novo livro de banda desenhada, Butterfly Chronicles, de João Mascarenhas, uma narrativa visual que aborda a complexidade do uso de descobertas científicas, em vários campos como o ético, o social, o militar ou o desportivo. 

A equipa de Investigação em Bio Robótica da Universidade de Kymera, em Tóquio, desenvolve um sistema que permite aceder à informação comportamental “gravada” nos genes de uma espécie animal, a chamada “memória da espécie”, e que vai ser utilizada no auxílio à programação dos movimentos de robôs do desporto “Droidball”. Contudo, são surpreendidos com o facto de conseguirem aceder não apenas à memória da espécie, mas também à memória do indivíduo ao qual pertence o material genético.

Hanako-san, uma estudante do primeiro ano do curso de Bio Robótica, que trabalha no desenvolvimento dos sistemas de leitura da informação contida no material genético, auxiliando o Professor Manabu-sensei e a sua equipa, é a protagonista principal da história. Uma trama onde se cruzam estudantes, ciência, robôs, cultura japonesa, desporto, humor, música, banda desenhada e grupos criminosos, num resultado arrebatador e comovente.

A abordagem narrativa de Butterfly Chronicles promove um duplo envolvimento cognitivo, em que a dimensão estética aumenta a compreensão, facilita a divulgação de teorias complexas, as implicações éticas e sociais dos avanços científicos, e fomenta a reflexão crítica sobre vários temas junto de um público alargado. Através da lente da Banda Desenhada, a ciência e a tecnologia, mesmo especulativas, enquanto meios multifacetados, tornam-se mais inteligíveis e acessíveis.

Estando atento aos desenvolvimentos científicos em várias áreas do saber, o autor elaborou a trama de Butterfly Chronicles, onde parte de uma base científica para o que se poderá denominar de “Especulação Científica”. Nela são abordados temas científicos possíveis, mas introduzindo simultaneamente alguma “especulação” sobre os mesmos, lançando de igual modo um alerta ético sobre a forma de utilização dos avanços da Ciência.

Como corolário, o autor irá usar nos autógrafos do livro, uma tinta que contém o seu ADN.

João Mascarenhas, engenheiro, investigador científico na área dos materiais e autor de banda desenhada, tem harmonizado estas suas valências de forma a trazer a ciência ao grande público, em forma de 9ª Arte. Desde há mais de 40 anos, tem elaborado bandas desenhadas que têm divulgado actividades científicas e técnicas (IR&D) na sua área de investigação. IR&D que cobre não apenas acções nacionais, mas também ao nível europeu, desenvolvidas estas em projectos e universidades. As suas histórias em banda desenhada têm sido publicadas em revistas, livros e outras publicações de cariz científico e técnico, um pouco por todo o mundo. Actualmente, está a desenhar uma banda desenhada em catorze línguas, para a divulgação junto do grande público, do trabalho desenvolvido num projecto europeu. Claro está, além das bandas desenhadas de índole mais pessoal, e publicadas em diversos álbuns.

Butterfly Chronicles, João Mascarenhas, Escorpião Azul, 332 pp., p&b, capa mole, 28,50€

29 de outubro de 2025

"A cor das coisas" - Uma leitura fora do comum: Martin Panchaud e o seu “novo pacto” com o leitor

Quando nos propomos a ler um livro ou uma banda desenhada, tendemos a partir de pressupostos familiares: personagens com rosto, narrativa linear, linguagem gráfica reconhecível. Pois bem, com o álbum  A cor das coisas (La couleur des choses) de Martin Panchaud, estamos perante uma proposta que desafia esses pressupostos e nos exige outro tipo de atenção e de colaboração.

Martin Panchaud é um autor e ilustrador suíço, nascido em 1982 em Genebra, e actualmente a residir em Zurique. 

A sua obra parte de uma condição pessoal — uma forte dislexia — que o impeliu a reflectir sobre a leitura, sobre o símbolo, sobre a interpretação de formas e cores em detrimento da literalidade verbal. É também um autor que navega entre o design gráfico, a infografia e a banda desenhada, fundindo estas linguagens num estilo pouco convencional. 

A premissa desta obra é aparentemente simples — e até pode soar a enredo de thriller juvenil: Simon, de 14 anos, é alvo de bullying por ser um pouco “gordinho”, sente-se excluído, faz-se útil para todo o tipo de encargos para sobreviver no seu bairro.

Num destes dias, uma cartomante indica-lhe o cavalo vencedor de uma grande corrida (Royal Ascot). Simon reúne então a poupança do pai, aposta, ganha uma enorme soma — mas ao regressar, encontra a mãe em coma e o pai desaparecido. A partir daqui, inicia-se uma aventura em busca do pai, da verdade, da própria identidade.

Mas o que distingue este livro não é tanto o enredo — que, de resto, apesar de bem construído, não é o mais revolucionário — mas a forma:

Todos os personagens são representados como círculos de cor, sem traços faciais ou corpos definidos;

A narrativa gráfica adopta uma vista top-down, quase como quem está a observar mapas, diagramas ou infografias — portanto, sem perspectiva convencional. 

Elementos como arquitectura, pictogramas, linhas de ligação entre as personagens e as falas, itens de interface gráfica, tornam-se parte integrante da leitura. 

Este conjunto formal resulta num “novo pacto” com o leitor, no sentido em que somos convidados a preencher nós próprios muitas lacunas — emocionalmente, visualmente e narrativamente. Panchaud explica que ao “ocultar” corpos e rostos, confia no leitor para “dar voz” e “dar corpo” às figuras abstraídas.

A cor das coisas, Martin Panchaud, Levoir, 244 pp., cor, capa dura, 29,90€

28 de outubro de 2025

GEO – Número especial « Astérix à la rencontre du monde! »

A revista GEO, conhecida pelas suas reportagens foto-jornalísticas de grande qualidade e pela sua «abertura ao mundo», publicou um número especial intitulado Astérix à la rencontre du monde! (n.º 57H), por ocasião do lançamento do álbum Astérix na Lusitânia.

Este número, datado de Outubro de 2025, põe em destaque as viagens dos célebres gauleses Astérix e Obélix através dos povos e regiões que visitaram ao longo da série.

Eis as principais secções deste número especial:

Uma exploração dos destinos que os gauleses « visitaram » nos seus álbuns: Portugal (Lusitânia), Córsega, Escócia, Espanha…

Reportagens fotográficas e jornalísticas sobre esses lugares : culturas, tradições, gastronomia.

Uma entrevista com os autores do álbum Astérix na Lusitânia — o argumentista Fabcaro e o desenhador Didier Conrad — que revelam os bastidores da criação.

O número especial Astérix à la rencontre du monde! da GEO constitui uma ponte bem-sucedida entre cultura popular e reportagem documental.

Lê-se como um belo objecto de curiosidade para todos os que apreciam Astérix, as viagens através das páginas, ou a descoberta de como o universo da banda desenhada pode tornar-se um verdadeiro território de exploração.

GEO – Número especial « Astérix à la rencontre du monde! », Octobre 2025, 124 pp. cor

27 de outubro de 2025

A Fera #2

O segundo volume de A Fera encerra um díptico que revisita o mítico Marsupilami — criado originalmente por Franquin — agora reinventado sob a batuta de Zidrou no argumento e Frank Pé na arte.

Publicado em Portugal pela editora A Seita, este álbum oferece não só o desfecho da narrativa iniciada no primeiro volume, mas também uma série de extras valiosos: uma história adicional e um dossier histórico que transformam o livro em algo mais do que uma simples banda desenhada — um verdadeiro objecto de colecção.

O primeiro volume apresentou a premissa: um animal exótico, antepassado do célebre Marsupilami, é trazido da América do Sul para a Bélgica dos anos 1950, onde acaba por escapar e encontrar abrigo junto de um rapaz, François.

O segundo volume retoma a acção em Bruxelas, em 1956, numa Bélgica ainda marcada pelas feridas da guerra — uma cidade cinzenta e chuvosa, em contraste com a selva tropical de onde provém a fera.

Frank Pé confirma-se como um dos grandes mestres da banda desenhada franco-belga. O seu traço é simultaneamente expressivo e naturalista, revelando um domínio notável da anatomia animal e humana. A paleta cromática é rica, alternando tons sombrios e quentes para traduzir a dualidade entre selva e cidade.

O formato generoso da edição portuguesa (capa dura, grande formato, mais de duzentas páginas) reforça o estatuto artístico e o cuidado gráfico do projecto.

A Fera – Volume 2 é uma conclusão digna e comovente, que encerra com brilho um projecto ambicioso: reimaginar o Marsupilami como criatura real, com alma e sofrimento.

Zidrou e Frank Pé assinam uma narrativa belíssima, plena de humanidade, que conjuga ternura, tragédia e espanto.

Mais do que uma homenagem a Franquin, A Fera é uma reflexão sobre a liberdade, a empatia e a capacidade de imaginar — uma das obras mais notáveis da banda desenhada europeia contemporânea.

A Fera #2, Frank Pé e Zidrou, A Seita, 224 pp., cor, capa dura, 32€

26 de outubro de 2025

Living Will - Ensaio de quadriculografia portuguesa


Ficha técnica:

Romance gráfico
(Portugal) Ave Rara, 1980
André Oliveira (argumento) e Joana Afonso (desenho)
Outras publicações: Polvo

A história centra-se em Will, um homem idoso que, após a morte do seu cão — o seu último laço vivo — sente que a sua vida perdeu propósito.  Ele, já tendo ultrapassado os 80 anos e com o peso de várias decisões e arrependimentos acumulados, resolve “atar as pontas soltas” da sua vida. 
Paralelamente surgem outras personagens (como Betty, uma apresentadora de TV, e Terry, um médico) cujas jornadas e conexões com Will ajudam a construir uma narrativa sobre existência, remorso, e o desejo de deixar algo para trás. Os sete volumes estão em língua inglesa e o integral em português.

Quadriculografia portuguesa:
  • Livro 1, Ave Rara [2013]
  • Livro 2, Ave Rara [2014]
  • Livro 3, Ave Rara [2014]
  • Livro 4, Ave Rara [2015]
  • Livro 5, Ave Rara [2015]
  • Livro 6, Ave Rara [2017]
  • Livro 7, Ave Rara [2018]
  • [integral], Polvo [2025]*
* tem a participação de Pedro Serpa.

[actualizado em 25.10.2025]

Sou um anjo perdido - Um policial em Barcelona

Óculos escuros, cigarro nos lábios, pele à mostra por baixo de uma minissaia — a excêntrica psiquiatra Eva Rojas está de volta!

Dezoito meses após os acontecimentos relatados em Je suis leur silence, ela observa, do alto de um guindaste, duas pernas que sobressaem de uma laje de betão — o que não augura nada de bom.

A inspetora Merkel e o seu adjunto, García, terão de a interrogar, sendo ela a única testemunha ocular. Mas nada é simples com Eva: aceita responder, sim, mas apenas na presença do seu… psiquiatra!

E então conta à polícia — e também ao Dr. Llull —, em pormenor, os sete dias que antecederam o incidente.

Um dos seus pacientes, João, de 19 anos, jovem estrela em ascensão do futebol, desapareceu. O clube responsabiliza-a e exige que o encontre em seis dias. Para o bem e para o mal, Eva pode contar com as “vozes” que a acompanham — as das suas antepassadas, falecidas há muito, mas ainda muito presentes! E ainda mais presentes quando Eva visita a mãe no hospital psiquiátrico… ou quando se aproxima um pouco demais dos neonazis.

Jordi Lafebre teve a excelente ideia de voltar a reunir as personagens de Je suis leur silence para uma nova investigação! Alternando suspense e humor em diálogos irresistíveis, o autor não deixa de evocar as neuroses que se transmitem de geração em geração. Um regresso inesperado — e mais do que bem-sucedido!

Sou um anjo perdido - Um policial em Barcelona, Jordi Lafebre, Arte de Autor, 128 pp., cor, capa dura, 29,50€

25 de outubro de 2025

Astérix na Lusitânia - Lançamento

 


Living Will

Living Will é uma das obras mais singulares e marcantes da banda desenhada portuguesa contemporânea. Criada por André Oliveira (argumento) e Joana Afonso (ilustração principal), com participação posterior de Pedro Serpa, esta série foi publicada originalmente entre 2013 e 2018 pela editora Ave Rara, em sete fascículos curtos, todos escritos em inglês — uma escolha invulgar que reflectia a ambição de projectar a obra além-fronteiras. Em 2025, a série foi finalmente reunida e traduzida para português numa edição integral da Editora Polvo, sinal do reconhecimento e da durabilidade do seu impacto artístico.

No centro da narrativa está Will, um homem idoso que, após a morte do seu cão — o seu último elo afectivo —, se confronta com o vazio e o peso do tempo. A partir desse momento, decide pôr em ordem os assuntos da sua vida, revisitando memórias, arrependimentos e relações passadas. O “testamento” a que o título alude não é apenas legal, mas sobretudo existencial: trata-se de um balanço moral e emocional de uma vida que se aproxima do fim. Em torno de Will orbitam outras personagens — como Betty, uma apresentadora de televisão, ou Terry, um médico —, cujas histórias se cruzam subtilmente, compondo uma teia de solidão, perda e redenção.

O texto de André Oliveira é contido e poético, explorando o silêncio e a sugestão mais do que o diálogo explícito. A estrutura episódica dos fascículos reforça a sensação de fragmento e memória, como se cada parte fosse uma peça de um puzzle emocional. O argumento recusa o melodrama fácil, optando por uma melancolia contida, profundamente humana e universal.

A arte de Joana Afonso é um dos grandes trunfos da obra. Com um traço expressivo e uma paleta de cores que varia de volume para volume — tons quentes, frios ou neutros, consoante o estado emocional do enredo —, a artista constrói uma atmosfera visual coerente e profundamente sensorial. O uso da cor como elemento narrativo é notável: cada fascículo adquire uma identidade própria, quase como uma emoção visual distinta. Já as contribuições de Pedro Serpa, nos volumes quatro e seis, introduzem um estilo diferente, mais contido e realista, o que causou alguma ruptura visual, mas também acrescenta uma camada de contraste à leitura da obra completa.

Living Will distingue-se ainda pela coragem formal e temática. Publicar uma banda desenhada portuguesa em inglês, em fascículos de pequena tiragem, foi um gesto ousado e quase artesanal — um verdadeiro acto de resistência artística num mercado dominado por traduções e formatos comerciais. A obra afirma-se, assim, como um exemplo de banda desenhada de autor, introspectiva e literária, que trata temas universais — a passagem do tempo, o sentido da vida, a necessidade de deixar algo de si — com sensibilidade e inteligência.

A reedição integral em português, mais de uma década após o início da publicação, confirma Living Will como uma referência na BD portuguesa do século XXI. É uma história sobre envelhecer, sobre o que significa ter vivido — e sobre a persistente vontade de ser lembrado, mesmo quando tudo o resto se apaga.

A edição apresenta-se com duas capas, um capítulo adicional desenhado por Joana Afonso, uma galeria de imagens por 13 autores convidados: Jorge Coelho, Miguel Rocha, Filipe Abranches, Inês Galo, Carline Almeida, Kachisou, Paulo Monteiro, Carla Rodrigues, Francisco Sousa Lobo, Catarina Paulo, Pedro Brito, Joana Mosi e Filipe Andrade. A obra encerra com uma entrevista aos autores, por Gabriel Martins.

Living Will, André Oliveira, Joana Afonso e Pedro Serpa, Polvo, 180 pp., cor, capa mole, 24,95€

24 de outubro de 2025

Astérix na Lusitânia

Astérix na Lusitânia é o 41.º álbum da famosa banda desenhada de Astérix e Obélix, publicado mundialmente hoje. Escrita por Fabcaro e ilustrada por Didier Conrad, a história pretende ser uma homenagem à cultura e história de Portugal, explorando elementos como fado, bacalhau, azulejos, calçada e vinho, sempre com o humor característico da série.

O argumento surgiu das visitas dos autores a Portugal, inspirando-se em locais à beira-mar, luz, cores e tradições portuguesas, e na história de Viriato e na produção de garum. O enredo inclui ainda uma personagem lusitana que já apareceu no álbum O Domínio dos Deuses (1971), servindo de elo entre os álbuns.

O álbum, com 48 páginas, levou um ano e meio a ser produzido, mantendo o estilo clássico de Uderzo e apresentando paisagens e personagens portuguesas. A tiragem mundial será de cinco milhões de exemplares em 19 línguas, sendo lançada em Portugal pela editora ASA com 80.000 exemplares, e apresentada no dia 27 de outubro no El Corte Inglés, com o humorista Hugo van der Ding.

Astérix na Lusitânia, Fabcaro e Didier Conrad, ASA, cor, 48 pp., cor, 11,50€


Butterfly Beast II – Volume 5: Segredos no coração do Xogunato

Publicado a 7 de Setembro de 2022, o quinto volume de Butterfly Beast II, de Yuka Nagate, mergulha-nos mais fundo nas sombras do Japão do século XVII. A série, que desde o início mistura erotismo contido, ação precisa e intriga política, atinge aqui um dos seus pontos mais intensos — e perigosos.

A história segue Ochô, uma kunoichi (ninja feminina) que vive entre dois mundos: o da noite e o do poder. Neste volume, ela é enviada numa missão quase suicida — infiltrar o castelo de Edo, a sede do xogunato Tokugawa.

O objectivo parece simples: descobrir quem anda a vazar informações secretas para shinobi fora da lei. Mas, como em toda boa intriga, nada é o que parece. No interior das muralhas, Ochô encontra-se cercada por cristãos clandestinos, guerreiros convertidos e até pelas atenções inquietantes do próprio xógum.

O resultado é um enredo denso, onde cada personagem carrega segredos e cada gesto pode ser fatal.

Yuka Nagate volta a provar que Ochô é uma das protagonistas femininas mais fascinantes do manga histórico contemporâneo. Bela, letal e profundamente humana, ela não é uma simples guerreira: é uma mulher em conflito com o seu próprio papel num mundo que a usa como arma e a teme como ameaça.

No castelo, vemos um lado mais vulnerável da personagem — a dúvida, o medo, o desejo — elementos que a tornam mais real, e que transformam a história em algo mais do que pura ação ninja.

Este volume destaca-se também pela introdução de cristãos escondidos, um tema raramente explorado em mangas de ação. Durante o período Edo, o cristianismo era proibido, e os que mantinham a fé viviam nas sombras. Nagate aproveita este pano de fundo histórico para questionar o que significa acreditar — e trair — num tempo de proibições.

Entre os conspiradores e os leais, há também os “shinobi reconvertidos”: antigos espiões que mudaram de lado, levantando uma questão central no manga — em quem se pode confiar quando todos são mestres da mentira?

Com este quinto volume, Butterfly Beast II chega a um momento decisivo. A protagonista deixa de agir nas margens do poder e entra, finalmente, no coração do império, onde cada erro pode custar-lhe a vida.

Nagate conduz a narrativa com mão firme — equilibrando acção e introspecção, erotismo e política — e prepara o terreno para o que promete ser o clímax da saga.

Butterfly Beast II – Volume 5, Yuka Nagate, A Seita, 216 pp., p&b, capa mole, 11,99€

O Profeta, de Khalil Gibran — adaptação de Zeina Abirached

Publicado pela primeira vez em 1923, O Profeta é a obra mais conhecida de Khalil Gibran, poeta, filósofo e artista libanês radicado nos Estados Unidos. Escrito em prosa poética, o livro reúne vinte e seis discursos proferidos por Al-Mustafa, o profeta que, prestes a deixar a cidade de Orphalese, responde às perguntas dos habitantes sobre temas essenciais da existência — o amor, o casamento, o trabalho, a liberdade, a dor, os filhos, a morte.

A linguagem de Gibran é simultaneamente simples e espiritual, profundamente simbólica, marcada por um lirismo que combina o misticismo oriental e a filosofia universal. A sua mensagem, intemporal e humanista, procura inspirar uma vida guiada pelo amor e pela compreensão do divino em cada gesto quotidiano.

Quase um século depois, a ilustradora e autora libanesa Zeina Abirached — conhecida pelas suas obras autobiográficas em banda desenhada, como A ovelha ou A Dança das Andorinhas — apresenta uma adaptação gráfica integral de O Profeta, publicados na edição portuguesa em dois volumes pela Levoir com o apoio do jornal Público.

Nesta versão, Abirached não reescreve nem simplifica o texto: preserva a totalidade das palavras de Gibran, acompanhando-as de uma narrativa visual que amplifica o sentido espiritual e poético do original. O resultado é uma fusão entre palavra e imagem, em que o traço preto e branco da autora cria uma atmosfera de recolhimento, silêncio e contemplação.

O desenho de Zeina Abirached é caracterizado por fortes contrastes de luz e sombra, composições geométricas e uma estética próxima da caligrafia árabe. As suas imagens evocam a arquitectura das cidades do Médio Oriente, os gestos do quotidiano e os espaços interiores onde o pensamento se recolhe.

Esta abordagem visual não serve apenas para ilustrar o texto — é uma interpretação poética das palavras de Gibran. A artista transforma conceitos abstractos, como “liberdade” ou “morte”, em cenas simbólicas que convidam o leitor a parar, a respirar e a escutar.

Os temas centrais de O Profeta mantêm hoje uma extraordinária actualidade. Falam-nos da necessidade de equilíbrio entre o corpo e o espírito, da relação entre o indivíduo e a comunidade, do amor como força criadora e libertadora. Na adaptação de Abirached, essas ideias ganham nova vida através da imagem: o olhar do profeta, os rostos dos habitantes, o movimento do mar e das sombras tornam visível o que o texto sugere — a busca de sentido num mundo em mudança.

Por ser também libanesa, a artista estabelece uma ponte afectiva com Gibran, resgatando uma herança cultural comum e traduzindo-a para o contexto contemporâneo da arte e da banda desenhada.

O Profeta, Zeina Abirached, 2 volumes, Levoir, p&b, 192 pp. cada volume, capa dura, 15,90€ por volume

23 de outubro de 2025

AmadoraBD 2025: mais dias, mais autores e novas iniciativas

 


O Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora (AmadoraBD) abriu hoje a sua 36.ª edição, voltando a instalar-se no Parque da Liberdade, que acolhe as principais exposições, sessões de autógrafos, lançamentos e a zona comercial.

Este ano, a organização decidiu alargar as sessões de autógrafos e criar a iniciativa “Hora da BD”, com descontos de 15% em livros de segunda a quinta-feira, entre as 18h00 e as 20h00. O objectivo é atrair mais visitantes durante os dias úteis e distribuir melhor o público ao longo da semana.

A programação mantém o equilíbrio entre novidades editoriais e clássicos da banda desenhada, destacando-se as retrospectivas dos irmãos brasileiros Fábio Moon e Gabriel Bá — autores de Daytripper e Dois Irmãos — e a homenagem ao português Luís Louro, que celebra 40 anos de carreira com uma mostra de esboços e originais.

O festival assinala ainda os 85 anos de The Spirit, de Will Eisner, e os 65 anos da Liga da Justiça, com a presença de artistas como Miguel Mendonça, Maria Laura Sanapo e Kevin Maguire.

Entre outras exposições, destacam-se pranchas originais de O Abismo do Esquecimento (Paco Roca e Rodrigo Terrasa), Radium Girls (Cyrielle Evrard) e Corpo de Cristo (Bea Lema). Fora do núcleo central, há mostras dedicadas a Alice Geirinhas, Dinis Conefrey e Filipa Beleza.

Os Prémios Nacionais de BD serão anunciados no domingo, e o festival decorre até 2 de Novembro.

22 de outubro de 2025

“Cadáver Esquisito”: A maior banda desenhada colectiva portuguesa ganha nova vida em livro

A banda desenhada Cadáver Esquisito, um projecto que reúne mais de 50 autores portugueses, acaba de ser publicada em livro pela editora independente Arga Warga. Concebida e coordenada por Daniel Maia, esta obra é descrita pelo autor como “a versão mais performativa que a BD pode ter, livre de constrangimentos”.

O projecto teve início em 2008, muito antes de as webcomics se tornarem tendência. Na altura, Daniel Maia decidiu criar um blogue próprio para acolher uma banda desenhada colectiva, construída página a página por diferentes autores. A regra era simples e inspirada no jogo surrealista cadavre exquis: cada autor ou dupla (argumentista e desenhador) acrescentava uma nova página, dando continuidade ou subvertendo a narrativa anterior, enquanto Daniel Maia assegurava uma coerência narrativa que unificasse o resultado final.

O resultado é uma história tão improvável quanto fascinante: “Um incidente num hotel precipita situações insólitas que revelam uma intriga. Uma trindade de Papas faz testes à inovadora tecnologia U.M.D. (Unidade Molecular Destemporizadora), criada pelo Prof. Octávio, que suspende o espaço-tempo numa área limitada.”

Entre 2008 e 2015, a obra foi sendo publicada online, atraindo uma comunidade crescente e diversificada de criadores. Muitos dos participantes eram nomes já reconhecidos da BD nacional, enquanto outros deram aqui os seus primeiros passos. Entre os mais de 50 autores estão André Caetano, Daniel Henriques, Diogo Carvalho, Miguel Mendonça, Kati Zambito, Zé Burnay, Hugo Jesus, Maria João Careto, Sónia Oliveira e Pedro Nascimento, entre muitos outros.

A edição agora lançada em livro reúne 58 páginas da versão original do webcomic, complementadas por uma nova narrativa intitulada A Vingança do Cadáver, que funciona como epílogo e encerra este ciclo criativo de forma inédita.

A apresentação oficial acontece no sábado, no festival AmadoraBD, o maior evento nacional dedicado à banda desenhada.

Com esta edição, Daniel Maia — que fundou a Arga Warga há duas décadas — concretiza um dos projectos mais ambiciosos da BD portuguesa contemporânea.

O autor, nascido em Lisboa em 1978, tem um percurso que abrange criação, crítica, produção e edição, tendo colaborado com editoras como Marvel, Dark Horse Comics, Platinum Pub., Chiaroscuro Studios, Ala dos Livros e Saída de Emergência Edições.

Cadáver Esquisito é mais do que uma banda desenhada — é um manifesto colectivo de liberdade criativa, um retrato da imaginação nacional e da força da colaboração artística.

Cadáver Esquisito, colectivo, Arga Warga, 64 pp., p&b, capa mole, 10€

Solo Leveling #15

O décimo quinto volume de Solo Leveling marca o limiar entre a vitória e o desespero. Sung Jin-woo, outrora um caçador débil e inseguro, encontra-se agora diante de forças cuja magnitude ultrapassa os limites da compreensão humana. Este volume constitui, por conseguinte, um ponto de inflexão na narrativa: é aqui que a história abandona a escala individual e se projecta sobre o destino do mundo inteiro.

A escrita de Chugong mantém o seu ritmo intenso e cinematográfico. Cada combate é descrito como uma sinfonia de poder e de destruição, mas, sob o espectáculo da acção, esconde-se uma meditação mais sombria sobre o isolamento do herói. Jin-woo, transformado em monarca, compreende que a força absoluta cobra um preço: a distância entre si e a humanidade que jurou proteger.

Neste tomo, as revelações sucedem-se a um compasso quase apocalíptico. Os Monarcas revelam as suas verdadeiras intenções, e o protagonista descobre a natureza profunda do poder que nele desperta. O confronto deixa de ser apenas físico: é também uma luta contra o destino, contra a fatalidade inscrita no próprio sistema que o elevou.

O autor aproveita este volume para aprofundar o universo mítico da série. A distinção entre Caçadores e Monarcas, entre Luz e Escuridão, adquire um sentido filosófico; o mundo deixa de ser um simples cenário de aventuras e converte-se num campo de batalha metafísico. As motivações das entidades superiores, antes difusas, tornam-se mais nítidas, e o leitor entrevê o verdadeiro alcance da guerra que se aproxima.

Apesar da grandiosidade dos acontecimentos, há espaço para a introspecção. Chugong regressa, por instantes, à dimensão íntima de Jin-woo: o filho, o irmão, o homem que deseja, apenas, uma vida comum. Essa tensão entre a humanidade perdida e o poder divino é o que confere a este volume a sua densidade emocional.

O desfecho do volume XV deixa o leitor suspenso — não apenas pelo destino do protagonista, mas pelo significado do que ele representa. Solo Leveling já não é, aqui, a história de um simples caçador que se fortalece; é a parábola de um homem que ascende acima de todos e, por isso mesmo, se vê condenado à solidão.

Solo Leveling #15, Dubu e Chugong, Editorial Presença, 180 pp., cor, capa mole, 16,90€

Saga #12: Um novo capítulo na odisseia de Alana e Hazel

Depois de uma longa espera, Saga regressa com o seu volume 12, continuando a saga épica e emocional criada por Brian K. Vaughan e Fiona Staples. Esta nova etapa compila os números #67 a #72 da série original e dá seguimento directo aos acontecimentos dramáticos do volume anterior, levando os leitores novamente a um universo onde amor e guerra coexistem de forma brutal e poética.

O enredo volta a centrar-se em Alana e na filha Hazel, sobreviventes de um conflito galáctico interminável entre dois mundos inimigos. Agora, as duas enfrentam novas ameaças e dilemas morais que põem à prova o legado de Marko — personagem cuja ausência continua a marcar profundamente a história.

Neste volume, Vaughan retoma o tom agridoce que define Saga: uma fusão de ficção científica, fantasia e drama familiar. As cenas oscilam entre momentos de ternura e sequências de violência crua, reflectindo a contradição que está no centro da obra — a tentativa de construir uma vida pacífica num universo dominado pelo ódio e pela guerra.

Os temas de luto, maternidade, resistência e empatia surgem com força renovada. Vaughan mantém o seu talento para o diálogo inteligente e emocional, enquanto Fiona Staples entrega uma arte visualmente deslumbrante: criaturas de design ousado, planetas vibrantes e expressões humanas que comunicam mais do que mil palavras.

Com o volume 12, Staples mostra mais uma vez a sua mestria em criar emoção num cenário de fantasia cósmica, provando que Saga é tão sobre sentimentos quanto sobre mundos alienígena.

Para os leitores assíduos, este é um volume de reconciliação e amadurecimento. Para os novos leitores, é uma excelente oportunidade para descobrir por que Saga é considerada uma das melhores séries de banda desenhada contemporâneas.

Saga #12, Brian K. Vaughan e Fiona Staples, G. Floy Studio, 152 pp., cor, capa dura, 23€

Undertaker #8: O mundo segundo Oz

Com O Mundo Segundo Oz, o oitavo tomo de Undertaker, Xavier Dorison e Ralph Meyer levam a sua sombria saga do Velho Oeste a novos patamares de intensidade e complexidade moral. O que começou como um western lúgubre e quase gótico transforma-se aqui numa reflexão profunda sobre poder, fé e a natureza humana — sem nunca perder o fôlego de uma aventura magistralmente desenhada.

Jonas Crow, o coveiro errante que carrega o peso de um passado sangrento, regressa para mais uma viagem ao limite da redenção. Desta vez, o cenário é uma comunidade isolada, regida por um profeta carismático que se proclama a reencarnação do próprio Oz. A promessa de um “mundo novo” onde todos poderão renascer em pureza esconde, porém, um ambiente de fanatismo, manipulação e medo. Numa pequena vila do Texas arruinada e destruída pela Guerra da Sucessão, Sister Oz, guru da chamada Liga da Virtude, convenceu a população de que conseguiriam recuperar a sua boa fortuna aos olhos do divino se fizessem justiça pelas próprias mãos… e impedissem Eleonor Winthorp de fazer um aborto. Para isso, todo os meios são justificados: humilhação, intimidação, chantagem e, porque não, matar Randolph Prairie, o médico que se oferece para praticar a operação?

Mas Jonas Crow, o Undertaker, ergue-se para proteger aquele que é, apesar de tudo, o seu rival amoroso a fim de permitir a Eleonor que escolha o seu próprio destino.

Dorison constrói aqui um retrato inquietante de uma sociedade à beira do delírio, onde a fé se mistura com o desespero e onde as pessoas se deixam conduzir por líderes que vendem salvação a troco de obediência. É um espelho cruel, mas fascinante, da condição humana — e Jonas, com a sua habitual lucidez cínica, é o observador perfeito desse teatro de ilusões. A escrita de Dorison mantém-se cortante e precisa, equilibrando a dureza do western com momentos de introspecção e ironia. Já a arte de Ralph Meyer continua a ser absolutamente deslumbrante: cada página parece uma pintura, onde a poeira, o suor e o desespero se misturam com a luz dourada do deserto. A cor, assinada por Caroline Delabie, dá vida a esse mundo árido e belo, onde até a morte parece respirar.

O mundo segundo Oz encerra o quarto ciclo de Undertaker, considerada como uma das melhores séries de western da BD europeia.

Esta série, difundida em mais de 14 países entre os quais se inclui Portugal, obteve desde o início da sua publicação em França, em 2015, numerosos prémios e distinções. Salientam-se, o Prix Saint Michel 2015 du Meilleur Dessin, o Prix Le Parisien 2015 de la Meilleur BD, o Prix 2015 des rédacteurs de scenario.com e ainda a distinção Album preferé des lecteurs de BD Gest 2015.

Undertaker #8: Um Mundo Segundo Oz, Xavier Dorison e Ralph Meyer, Ala dos Livros, 64 pp., cor, capa dura, 19,95€

Amadora BD 2025 - Lista de exposições no Núcleo Central do certame

O Amadora BD 2025, o maior festival dedicado à banda desenhada em Portugal, arranca já a 23 de Outubro e decorre até 2 de Novembro, no Parque da Liberdade, na Amadora. Durante dez dias, o evento promete um programa recheado de exposições, lançamentos, conversas, debates, sessões de autógrafos e workshops.