Bea Lema conta a história da sua infância em contacto com uma realidade que muitos preferem esquecer ou ignorar: a doença mental da sua mãe. Quando Vera, a protagonista, era pequena, a sua casa era assombrada por aquilo que a mãe acreditava serem demónios. Sessões de exorcismo até ela ficar de cama, depois psiquiatria, superstições que vão cedendo lugar ao diagnóstico… Mas a transição não é linear, nem limpa. O sofrimento, as excentricidades, o estigma social, o abandono, o amor — tudo isso convive de formas incómodas e poderosas.
Através dos olhos de Vera, a narrativa explora também as expectativas impostas às mulheres — o papel da filha, da mãe, da esposa — numa sociedade católica, pobre, patriarcal.
O que torna Corpo de Cristo particularmente marcante é não só o conteúdo, mas como Bea Lema escolhe contá-lo.
Corpo de Cristo não ficou despercebido na opinião pública, sendo distinguido com o Premio Nacional de Cómic de Espanha em 2024, tendo vencido, em 2017, o XII Prémio Castelao de Banda Deseñada da Deputación da Coruña.
Ao terminar Corpo de Cristo, não ficam apenas imagens ou cenas fortes — o que permanece é uma sensação de presença. Do silêncio, das vozes que cochicham na casa, do corpo que adoecer, do amor que cuida. Fica uma pergunta: como carregamos as verdades que nos moldaram?
Também fica uma esperança, discreta, mas clara. Que reconhecer, nomear, contar — mesmo que com dor — possa ser parte de cura. Que empatia e cuidado sejam meios ativos de relação nesta realidade.
Corpo de Cristo, Bea Lema, Iguana, 184 pp., cor, capa mole, 20,45€
Sem comentários:
Enviar um comentário