28 de novembro de 2024

Muzinga

Muzinga, que personagem! Brasileiro, algo irrequieto, implicativo, e cheio de conhecimentos naquela cabeça de barba mal amanhada, até dizem que fala mais de cem línguas! Pudera, também dizem que tem quase duzentos anos. Duzentos anos a calcorrear o mundo todo e a viver aventuras surreais, em busca de dialectos extintos, e de segredos que o tempo se esforçou por apagar... 

André Diniz é um dos mais premiados e aclamados autores brasileiros de banda desenhada, e Muzinga é uma das suas mais brilhantes criações, que assina aqui como argumentista e desenhador, num estilo gráfico que é uma lição de narrativa visual.

Criado por André Diniz há já mais de dez anos, no âmbito de um projecto de BD digital bem ambicioso, que resultou num site com o nome do protagonista e em mais de uma dúzia de histórias curtas que apresentaram esta figura imperdível da banda desenhada  brasileira ao público, Muzinga é uma das personagens mais icónicas do autor. Este volume reúne duas histórias longas, inéditas, que em conjunto configuram um romance gráfico complexo, a meio caminho entre o realismo fantástico e o humor surreal, em que o aventureiro bicentenário vai enfrentar desafios audaciosos, numa jornada repleta de enigmas, culturas antigas e misteriosas, e descobertas que prometem surpreender até os leitores mais curiosos. Muzinga, o homem bicentenário. Aventureiro, linguista, caçador de tesouros e malandro!

Neste volume, a arte extraordinária de André Diniz atinge o seu ponto máximo, depois de evoluir ao longo dos anos em direcção a um estilo que mistura algo de cartunesco, com um sentido muito apurado da planificação gráfica de cada página de BD, extremamente fluida, em que as cenas se seguem de maneira escorreita num enquadramento muito livre.

Nas duas histórias deste livro, Muzinga lança-se pelo mundo em busca de aprender tudo o que puder sobre as mais estranhas culturas, e particularmente aquelas que estão em risco de ser esquecidas e de desaparecer, procurando também aprender as suas línguas. Irá encontrar as mais diversas e estranhas personagens, bizarros totems falantes, que ora julgam, ora protegem, ditadores e polícias secretas que procuram eliminar culturas inteiras, avós que são as últimas a falar uma língua (extraordinariamente complexa)... claramente, este não é o nosso mundo mas sim um mundo saído da cabeça de um dos grandes argumentistas de BD actuais, em que a personagem vai viver uma mistura de acção, aventura, fantasia e humor.

Como diz Dango Yoshio, “A escrita é a forma mais poderosa de vencer o tempo! E Muzinga é uma leitura muito divertida, com reflexões sobre a ancestralidade, a memória e a morte.” Ou, como diria o próprio Muzinga, “Duzentos anos a fazer merda pelo mundo fora, é surreal!

Não é necessário conhecer a personagem para ler este livro. A edição d’A Seita inclui extras sobre o processo criativo do autor, bem como duas pranchas icónicas (e algo mistificantes!) da série antiga de Muzinga.

André Diniz é argumentista e desenhador de BD. Tem mais de 30 títulos publicados por diversas editoras brasileiras, muitos dos quais também já editados em França, no Reino Unido, Polónia, Peru, e, claro, em Portugal, país onde vive hoje e onde obteve entretanto a nacionalidade. O seu trabalho foi também tema de exposições em França, na Polónia, Itália, Angola e Portugal. É um dos mais premiados autores brasileiros, tendo recebido desde 2000 mais de 20 prémios atribuídos pelas principais instituições e eventos brasileiros de BD. Entre os seus trabalhos mais conhecidos podem citar-se Morro da Favela e Malditos Amigos (Polvo) e a adaptação em BD de O Idiota, de Dostoievsky (colecção Novelas Gráficas, Levoir).

A edição portuguesa optou por mudar os diálogos do livro para um português com acentuação de Portugal, com excepção de Muzinga, claro, que fala com a sua pronúncia nativa do Brasil!

Muzinga, André Diniz, A Seita, 200 pp., p&b, capa dura, 25€




 

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