8 de outubro de 2025

Exposição da Mafalda em Óbidos

 


Gannibal #5

O quinto volume de Gannibal, de Masaaki Ninomiya, aprofunda de forma arrepiante a tensão e o mistério que têm tornado esta série uma das mais perturbadoras e fascinantes do thriller japonês contemporâneo. Depois de quatro tomos a construir um ambiente de suspeita e claustrofobia, este capítulo mergulha de cabeça no horror psicológico e nas zonas mais sombrias da alma humana.

A história retoma o fio da investigação do agente Daigo Agawa, que continua a tentar desvendar o desaparecimento da jovem Yuki e o verdadeiro segredo que assombra a isolada aldeia de Kuge. O que antes eram apenas suspeitas começa agora a ganhar contornos cada vez mais concretos — e macabros.

A cada página, Ninomiya aperta o cerco, expondo as fissuras da comunidade e o peso da tradição que esconde crimes antigos sob uma máscara de normalidade. A aldeia parece um organismo vivo, sufocante, que devora aqueles que ousam questioná-la.

Mais do que uma simples história de canibalismo — literal ou simbólico — Gannibal é uma parábola sobre o medo, a violência e a corrupção da moral quando a sobrevivência é posta à prova. No quinto volume, o autor faz-nos confrontar uma pergunta inquietante: até onde pode ir um homem, convencido de que está a agir pelo bem?

Daigo, que começou como um herói determinado, começa a revelar fendas — não apenas físicas, mas mentais. O terror já não vem apenas dos outros: vem dele próprio, do seu desespero, da sua obsessão, do seu confronto com o abismo.

Masaaki Ninomiya continua a demonstrar uma mestria notável na construção do suspense. As vinhetas alternam entre o silêncio tenso e explosões de brutalidade quase cinematográficas. O uso do contraste — entre a tranquilidade rural e o horror absoluto — é o que dá ao manga a sua força visual e emocional.

O traço, cru e expressivo, acentua a sensação de desconforto. Cada olhar, cada sombra, cada gota de sangue parece ter peso e intenção.

Gannibal #5, Masaaki Ninomiya, A Seita, 192 pp., p&b, capa mole, 11,99€

Tokyo Revengers #7

O sétimo tomo de
Tokyo Revengers, de Ken Wakui, assinala um dos momentos mais intensos e emocionantes desta série que tem conquistado leitores em todo o mundo. Se até aqui Takemichi vinha tentando mudar o passado com esperança e alguma ingenuidade, neste volume começamos a perceber que o preço da lealdade e das escolhas pode ser demasiado alto.

Neste ponto da narrativa, Takemichi continua determinado a impedir o trágico destino de Hinata e a evitar que a Tokyo Manji Gang (Toman) se afunde nas trevas. Contudo, o ambiente dentro do grupo está longe de ser harmonioso. As tensões entre Mikey e Draken, a chegada de novos inimigos e as repercussões de acontecimentos anteriores transformam este volume num verdadeiro ponto de viragem.

O sétimo tomo é um mergulho profundo nas relações entre os membros da Toman. Ken Wakui explora a fragilidade dos laços de amizade e o impacto das decisões impensadas, revelando que, por detrás da imagem de “delinquentes”, existem jovens à procura de um propósito e de um lugar a que pertençam.

Takemichi, por seu lado, começa finalmente a crescer. Já não é apenas o rapaz frágil e hesitante que conhecemos nos primeiros volumes — o peso das viagens entre o passado e o presente começa a moldar-lhe o carácter. Cada derrota e cada perda o aproximam mais do herói que deseja ser, mesmo quando tudo parece perdido.

Ken Wakui mantém o equilíbrio perfeito entre a acção e a emoção, com cenas de combate intensas, expressões faciais marcantes e um ritmo que prende o leitor do início ao fim. A arte é vibrante e cinematográfica, captando com mestria tanto o impacto físico das batalhas como a dor emocional das personagens.

Tokyo Revengers #7, Ken Wakui, Distrito Manga, 200 pp., p&b, capa mole, 10,95€

7 de outubro de 2025

Casemate #194

Está à venda o número 194 da revista francesa Casemate. A capa é dedicada a Bilal. Eis o sumário do número de Outubro:

P.4-6 L’Empire contre-attaque et Lucas s’embourbe sur le tournage de Star Wars
P.8-12 Au nom du Père et des Fils Kennedy… Pelaez ausculte la dynastie
P.14-16 Les Sentiers d’Anahuac au chevet de la culture et des rites aztèques
P.18-20 Souvenirs d’un journaliste de l’AFP dans l’enfer de la guerre d’Indochine
P.22-24 France profonde pénètre dans le cinéma porno des années 1970
P.26-28 Journorama, revue de presse de l’actu BD
P.30-32 L’Écho des Rézos, le meilleur de Facebook, X, Bluesky, Instagram…
P.34-37 Riffaud libère Paris façon trompe-la-mort avec Morvan et Bertail (+2 planches)
P.38-43 Bablet exorcise les peurs profondes en compagnie de Silent Jenny (+4 planches)
P.44-49 Un Lucky Luke peu chanceux traverse l’Ouest dans Dakota 1880 (+4 planches)
P.50-59 Bilal fracasse son Bug dans une guerre du Bien contre le Mal (+4 planches)
P.60-69 Une sélection de 25 BD à découvrir en octobre
P.70-75 Agenda : les 340 sorties d’octobre, les festivals et les expos
P.78-81 Valero se fait une toile dans l’Espagne liberticide de Franco (+2 planches)
P.82-85 Lafebre confronte sa psychiatre perchée à des nazis gratinés (+2 planches)
P.86-91 Les Davodeau sur les sentiers des trous de mémoire (+4 planches)
P.92-95 Pagnol sous toutes les coutures et sur grand écran, par Chomet
P.96-97 Cosset se met à table dans la confortable cuisine de Larsson
P.98 Le courrier du mois à la loupe

Casemate #194, octobre 2025, 100 pp., cor, 9,95€

A vida oculta de Fernando Pessoa

A Vida Oculta de Fernando Pessoa, de André F. Morgado com ilustrações de Alexandre Leoni, chega pela Iguana como uma obra que ousa reimaginar o poeta para além da biografia. Nesta narrativa em banda desenhada, Pessoa não é apenas o escritor fragmentado em múltiplas vozes, mas também a figura secreta de uma ordem que enfrenta forças obscuras que ameaçam Portugal.

Os heterónimos — Caeiro, Reis, Campos e tantos outros — surgem aqui como ecos de feridas interiores, máscaras criadas não apenas para escrever, mas para sobreviver. O livro entrelaça citações autênticas com diálogos reinventados, compondo uma atmosfera onde literatura e sobrenatural se confundem.

O traço sombrio de Leoni acentua a densidade da obra, convocando o leitor para um universo onde cada página é um espelho partido da identidade pessoana. Mais do que contar uma história fantástica, A Vida Oculta de Fernando Pessoa convida a reflectir: até que ponto a heteronímia não foi também um combate íntimo, uma forma de resistir ao invisível?

A obra foi originalmente editada pela Bicho Carpinteiro em 2016 e numa edição numerada em 2018.

A Vida Oculta de Fernando Pessoa, André Morgado e Alexandre Leoni, Iguana, 96 pp., bicromia, capa dura, 17,85€

6 de outubro de 2025

Jantar com Astérix

 


Corpo de Cristo, de Bea Lema — o peso da memória e o amor que cura

Corpo de Cristo é uma novela gráfica autobiográfica criada por Bea Lema (A Coruña, 1985), editada originalmente em galego como O Corpo de Cristo e agora publicada em português pela Iguana, com tradução de Maria Mata

Bea Lema conta a história da sua infância em contacto com uma realidade que muitos preferem esquecer ou ignorar: a doença mental da sua mãe. Quando Vera, a protagonista, era pequena, a sua casa era assombrada por aquilo que a mãe acreditava serem demónios. Sessões de exorcismo até ela ficar de cama, depois psiquiatria, superstições que vão cedendo lugar ao diagnóstico… Mas a transição não é linear, nem limpa. O sofrimento, as excentricidades, o estigma social, o abandono, o amor — tudo isso convive de formas incómodas e poderosas.  

Através dos olhos de Vera, a narrativa explora também as expectativas impostas às mulheres — o papel da filha, da mãe, da esposa — numa sociedade católica, pobre, patriarcal.

O que torna Corpo de Cristo particularmente marcante é não só o conteúdo, mas como Bea Lema escolhe contá-lo.

Corpo de Cristo não ficou despercebido na opinião pública, sendo distinguido com o Premio Nacional de Cómic de Espanha em 2024, tendo vencido, em 2017, o XII Prémio Castelao de Banda Deseñada da Deputación da Coruña

Ao terminar Corpo de Cristo, não ficam apenas imagens ou cenas fortes — o que permanece é uma sensação de presença. Do silêncio, das vozes que cochicham na casa, do corpo que adoecer, do amor que cuida. Fica uma pergunta: como carregamos as verdades que nos moldaram?

Também fica uma esperança, discreta, mas clara. Que reconhecer, nomear, contar — mesmo que com dor — possa ser parte de cura. Que empatia e cuidado sejam meios ativos de relação nesta realidade.

Corpo de Cristo, Bea Lema, Iguana, 184 pp., cor, capa mole, 20,45€