6 de dezembro de 2025

2 novidades de Manuel Caldas


UM CÂNTICO DE NATAL

Com desenhos de H. M. Brock, trata-se provavelmente da melhor adaptação para banda desenhada do famosíssimo conto de Charles Dickens.

Henry Matthew Brock (1875-1960) foi um destacado artista inglês, célebre pelo seu estilo elegante e realista, aplicado à pintura, à caricatura e, sobretudo, à ilustração literária. O seu vínculo com a obra de Charles Dickens atingiu o ponto culminante em 1955 com esta adaptação de A Christmas Carol (publicada originalmente na Thriller Comics Library), provavelmente a melhor de quantas já foram feitas.

A influência do seu trabalho far-se-ia sentir anos mais tarde noutros artistas, entre os quais se destaca o autor de banda desenhada Chiqui de la Fuente que, com argumento de Carlos A. Cornejo, realizou a sua própria versão intitulada Uma canção de Natal, publicada pela primeira vez em 1974. De La Fuente tomou diversos elementos da interpretação de Brock (para enriquecer a sua adaptação e dar vida a cenas essenciais do relato, testemunhando assim a vigência e a força inspiradora da arte de Brock.

Un cântico de Navidad, 72 páginas a preto e branco. 17 x 22,5 cm. Capa com abas, impressa a cores no interior. 12 euros

CASEY RUGGLES 7: Sidney Town

Prossegue a edição da série de Warren Tufts, com as tiras diárias de 10 de Outubro de 1951 a 5 de Julho de 1952. Nelas se inclui o episódio que dá título ao volume e que é absolutamente um dos melhores realizados por Tufts — agora finalmente devidamente restaurado.


CASEY RUGGLES 7: Sidney Town, 84 páginas a preto e branco. 30,7 x 23,1 cm. 21 euros.

Encomendas para: mcaldas59@sapo.pt


5 de dezembro de 2025

Casemate #196

Está nas bancas o último número deste ano da revista francesa Casemate. O exemplar de Dezembro tem o seguinte índice:

P.4-6 Oubliez les légendes, voici la seule, unique et authentique Jeanne d’Arc !
P.8-10 Valente se met la pression pour Fabula Fantasia, série dérivée de Radiant
P.12-16 Diatlenko, artiste russe, ouvre sa boîte à souvenirs (vraiment pas tristes !)
P.18-20 Blanc-Dumont regarde l’avenir et scrute le rétro
P.22-25 Journorama, revue de presse de l’actu BD
P.26-28 L’Écho des Rézos, le meilleur de Facebook, X, Bluesky, Instagram…
P.32-37 Saint-Sauveur poursuit ses vilenies dans L’Ombre des Lumières (+4 planches)
P.38-43 Bertail rend hommage à Blueberry et à l’inimitable Giraud (+4 planches)
P.44-49 Avec Knight Club, de Pins défouraille au temps des croisades (+4 planches)
P.50-59 Blake et Mortimer s’envolent pour la Nouvelle Atlantide (+4 planches)
P.60-61 Huth revient à Blake et Mortimer, après sa Marque Jaune avortée au ciné
P.62-71 Une sélection de 25 BD à découvrir en décembre
P.72-73 Agenda : les 40 sorties de décembre, les festivals et les expos
P.74-79 Direction l’Écosse, dans la tête du détective Sherlock Holmes (+4 planches)
P.80-85 Néron se donne en spectacle dans les Neronia de Murena (+4 planches)
P.86-91 Gabella et Bourgouin réinventent le sanglant mythe du vampire (+4 planches)
P.92-95 Claveloux vous présente sa collection de monstres rigolos et dégoûtants
P.96-97 Braud lâche les chevaux, dans le sillage de Carrington
P.98 Le courrier du mois à la loupe

Casemate #196, décembre 2025, 100 pp., 9,95€ 

Apresentação da Banda Desenhada "Os Invisíveis"

 


3 de dezembro de 2025

FLOP - Mercado da Banda Desenhada e Fanzine

 




Peter Pan de Kensington - Adaptação do conto epónimo de James Matthew Barrie

Nova Iorque, distrito de Wall Street. À noite, nada é igual. A realidade desaparece para dar lugar à imaginação. Durante o dia, os jardins de Kensington, em Londres, são invadidos por humanos. Ao cair da noite, tornam-se o território do maravilhoso...

A pequena Maimie Mannering, de seis anos, perdeu-se neste imenso parque após o fecho das portas. Vai cruzar o caminho de fadas, que ameaçam «comer os seus dedinhos», e depois conhecer um tal Peter Pan. Peter é um rapaz engraçado, capaz de voar, que fala a Maimie de um «país imaginário, uma ilha onde as crianças não crescem». 

Maimie gostaria de voltar para casa. Mas Peter gostaria que ela ficasse com ele para se divertir. Juntos, eles vão encontrar a Rainha das Fadas e tentar resolver um enigma improvável que permitirá a Maimie encontrar a saída do parque, antes que o dia amanheça e ela fique presa no parque... para sempre!

Peter Pan é uma das mais populares e adoradas personagens da literatura infantil, imortalizada em inúmeras obras, incluindo o célebre filme da Disney. Surgido numa peça de teatro primeiro, em 1904, e de seguida num romance de sucesso, Peter and Wendy, em 1911, poucos sabem que James Matthew Barrie lhe deu vida pela primeira vez em 1902 noutro romance, O Pequeno Pássaro Branco. É esse este texto meio esquecido que José-Luis Muñuera adapta, propondo uma visão da personagem ao mesmo tempo pessoal e fiel à obra do escritor, com o seu maravilhoso desenho.

Nascido em 1974, Muñuera apaixonou-se pelo estilo clássico humorístico do franco-belga de obras como Spirou ou Astérix. Foi um encontro com Joann Sfar em Angoulême que mudou a sua carreira. Colaborou com Sfar em duas séries de BD (Potamoks e Merlin), antes de conhecer Jean-David Morvan, com quem colaboraria em séries de sucesso, como Navis, antes do argumentista ser contratado para pegar na série Spirou e Fantasio, e convidar Muñuera para a desenhar, dando assim a volta completa à sua trajectória na BD e dando vida ao seu sonho de sempre. Desde então, a sua carreira tem oscilado entre títulos ligados ao grande imaginário do franco-belga clássico – por exemplo, Zorglub, que explora uma personagem do universo Spirou – e novelas gráficas, geralmente auto-contidas, e que frequentemente adaptam romances, entre os quais podemos citar Um Conto de Natal, que adapta a história de Dickens, ou Bartleby, a partir de Melville, ambos já editados pela Arte de Autor, e claro, este Peter Pan de Kensington.

Peter Pan de Kensington, José-Luis Munuera, Arte de Autor, 96 pp., cor, capa dura, 22,50€

2 de dezembro de 2025

30 de novembro de 2025

Frank Pé – uma vida dedicada à banda-desenhada e à natureza [1956-2025]

Frank Pé nasceu a 15 de Julho de 1956 em Ixelles, nos arredores de Bruxelas, Bélgica. 

Estudou escultura na prestigiada Institut Saint-Luc, em Bruxelas — uma escola que formou muitos nomes marcantes da banda desenhada franco-belga.  

Desde muito cedo se revelou fascinado pelo desenho e pela natureza, uma paixão que acompanhou toda a sua carreira: já na infância desenhava animais e mais tarde — apesar de ter mantido durante algum tempo vários répteis exóticos — abandonou a ideia de os “coleccionar”, mantendo apenas dois iguanas. 

A sua aventura profissional começa em 1973, quando passa a colaborar com a revista Spirou, ainda como jovem autor. Entre os projectos iniciais, destaca-se a criação de histórias curtas onde já ficava evidente o seu gosto por ambientes naturais e animais. 

Em 1984 dá-se o passo decisivo: publica o seu primeiro álbum longo, dando corpo à série Broussaille — fruto da colaboração com o argumentista Bom (Michel de Bom). A série apresenta as observações de natureza e reflexões pessoais através do alter-ego Broussaille, alterando o paradigma da BD de aventura para uma BD mais introspectiva e ecológica. 

Com Broussaille, Frank Pé ganha visibilidade: a sua linguagem transmite sensibilidade e um profundo respeito pela natureza — traços que se tornariam marcas distintas do seu estilo.  


Nos anos seguintes, Frank Pé consolida a sua reputação com várias obras de grande relevo:

A série Zoo (1994–2007), com argumento de Philippe Bonifay, composta por três álbuns, reconverte-o para uma narrativa mais adulta e realista — mantendo sempre o seu domínio no desenho e na cor.

A colaboração com o argumentista Zidrou em títulos recentes, como A Fera — reinterpretando um mítico animal da BD franco-belga com uma abordagem mais madura, tendo sido publicado em Portugal pela editora A Seita

Além da BD, Frank Pé também se envolveu em ilustração, estudos de animação, e em projectos artísticos

ligados à natureza — demonstrando sempre um interesse profundo no mundo dos animais e no meio natural. 

O trabalho de Frank Pé distingue-se pela harmonia entre desenho realista e sensível, pelo uso da cor, e pela temática frequentemente centrada na natureza e nos animais — um traço pouco comum nas BD tradicionais de aventura. 

As suas referências estéticas passavam por autores como André Franquin e Moebius, mas também por movimentos artísticos como o Art Nouveau, e artistas plásticos ou ilustradores da natureza — o que lhe permitia fundir banda desenhada e sensibilidade artística de forma singular. 

Frank Pé faleceu a 29 de Novembro de 2025, aos 69 anos. 

A sua morte marca o fim de uma das vozes mais poéticas e originais da BD franco-belga contemporânea — um autor capaz de unir a magia do traço com a serenidade da Natureza e a reflexão sensível sobre o nosso mundo.

Frank Pé deixa um legado único: um estilo gráfico inconfundível, uma sensibilidade pela natureza e pelos animais, e uma capacidade de contar histórias que escapam ao convencional da BD de aventuras. Com Broussaille, Zoo ou A Fera, provou que a banda desenhada pode ser introspectiva, poética e visualmente impressionante — algo que inspira novos autores.



Entradas na minha biblioteca de BD no mês de Novembro de 2025

 











As minhas leituras de BD no mês de Novembro de 2025

 






29 de novembro de 2025

Kenshin, o Samurai Errante #25: A Verdade

O volume 25, intitulado A Verdade (The Truth / Shinjitsu), marca um momento turbulento e decisivo na vida dos personagens. Neste volume, Kujiranami Hyōgo — o gigante cuja mão direita fora cortada por Himura Kenshin durante o Bakumatsu — foge da prisão e lança-se num frenético ataque a Tóquio, espalhando o caos.

Com a polícia incapaz de o conter, surge um desafio inesperado: Myōjin Yahiko — jovem discípulo da escola Kamiya Kasshin-ryū e pupilo de Kenshin — ergue-se como a última linha de defesa. Apesar de ter evoluído nas suas habilidades, Yahiko acaba por enfrentar ferimentos graves na batalha contra Kujiranami.

Entretanto, Kenshin encontra-se numa profunda crise interior, incapaz de reagir à situação — adormeceu emocionalmente, longe de qualquer vontade de lutar. É apenas após o apelo desesperado de Tsubame, e graças à intervenção de um estranho — conhecido como Geezer, que se revela ser o pai da falecida mulher de Kenshin —, que este recupera o sentido da sua missão. Através dessa figura, Kenshin confronta o seu passado e a sua culpa, percebendo que, apesar dos erros, ninguém que peça ajuda deve ser deixado sozinho.

Revigorado pela reflexão, Kenshin intervém finalmente para enfrentar Kujiranami. A batalha não é apenas física mas simbólica: representa a redenção de Kenshin — não pelo passado de violência, mas pelo presente de honra e protecção dos inocentes. No fim, consegue acalmar o assaltante, permitindo que a polícia o detenha. Com isso, Kenshin recupera a sua determinação. 

Este volume serve como um ponto de viragem: ao mesmo tempo que Yahiko demonstra a sua coragem e crescimento, Kenshin encontra novamente um propósito — provar que, mesmo com o peso do passado, pode lutar pelo que é justo. Ao terminar, prepara-se para o próximo passo: resgatar Kamiya Kaoru e enfrentar os desafios que se avizinham. 

Kenshin, o Samurai Errante #25: A Verdade, Nobuhiro Watsuki, Devir, 192 pp., p&b, capa mole, 9,99€

28 de novembro de 2025

Naruto #59: Os Cinco Kage

O volume 59 de Naruto compreende o arco “Quarta Guerra Mundial Shinobi: Confronto / Clímax” — capítulos 556 a 565.

No volume 59, os conflitos da guerra atingem um dos seus pontos mais dramáticos e decisivos. No início, o confronto centra-se no combate entre Gaara e o renascido Segundo Mizukage, cuja técnica especial — a Tirania Fumegante Perigosa — consegue neutralizar a areia defensiva de Gaara. É a astúcia e sincronização com Ōnoki (o Tsuchikage) que permitam derrotar o Mizukage, apesar do poder assustador do seu ninjutsu

Mas a vitória revela-se apenas o prelúdio do caos: neste volume é ressuscitado o temível Madara Uchiha — revivido através de técnicas proibidas. A sua reentrada no conflito transforma a guerra: ele demonstra possuir agora os poderes do lendário clã, inclusive a capacidade de usar técnicas de madeira (Mokuton), herdadas por meio de células de um antigo mestre, conferindo-lhe um poder tremendo. 

A par disso, todos os Cinco Kage — os líderes dos grandes vilarejos — reúnem-se finalmente no campo de batalha, algo inédito até então, para enfrentar a ameaça conjunta. É um momento simbólico e dramático: pela primeira vez, a aliança ninja aposta tudo na união de todos os seus líderes para tentar derrotar Madara.

Enquanto isso, Naruto Uzumaki e Killer Bee mantêm a luta acesa contra os Jinchuuriki ressuscitados e os ninjas transformados pelo exército de clones (Zetsus e Edo Tensei), numa batalha intensa e cheia de reviravoltas. A guerra espalha-se por diversos fronts, com combates de grande escala, decisões desesperadas e sacrifícios. 

Naruto #59: Os Cinco Kage, Nobuhiro Watsuki, Devir, 192 pp., p&b, capa mole, 9,99€

27 de novembro de 2025

Chainsaw Man #13

O volume 13 de Chainsaw Man reúne os capítulos 104 a 112 foi publicado originalmente no Japão a 4 de Janeiro de 2023. Este volume mergulha na vida de Denji e Asa, mostrando como os seus desejos, fragilidades e escolhas se cruzam com a crescente ameaça dos demónios.

Denji continua obcecado com a ideia de revelar ao mundo que é o Chainsaw Man, acreditando que isso lhe trará reconhecimento e uma vida mais plena. Porém, várias pessoas à sua volta tentam travá-lo, conscientes das consequências devastadoras que essa exposição poderá provocar num mundo dominado pelo medo e pelo poder dos demónios. Paralelamente, Asa Mitaka desenvolve uma amizade com Yuko, uma colega aparentemente tímida, mas que esconde um segredo perturbador. Sobrecarregada pelo bullying e por um profundo sentimento de injustiça, Yuko confessa a Asa que selou um pacto com o Justice Devil, adquirindo assim poder para castigar aqueles que a atormentavam.

A situação rapidamente descamba quando Yuko, guiada por um sentido distorcido de justiça, começa a assassinar colegas e transforma a escola num cenário de horror. Asa, dilacerada entre a amizade e o dever, tenta impedi-la, mas o caos intensifica-se: Yuko acaba por sofrer uma mutação grotesca, tornando-se num demónio monstruoso e lançando ainda mais pânico entre estudantes e civis.

Este volume é marcado por um forte conflito emocional, onde temas como a culpa, o desespero, o desejo de aceitação e a fronteira entre justiça e vingança são expostos de forma crua. Enquanto Yuko sucumbe ao peso das suas dores e escolhas extremas, Denji luta com a necessidade de afirmar a sua identidade, mesmo quando isso o coloca no centro de perigos cada vez maiores. O resultado é um capítulo intenso da narrativa, onde o terror sobrenatural e o drama humano se entrelaçam, preparando o terreno para confrontos e revelações ainda mais sombrios.

Chainsaw Man #13, Tatsuki Fujimoto, Devir, 186 pp., p&b, capa mole, 9,99€

O Mercenário - Volumes 7 e 8

Ainda que a série tenha nascido nos anos 80 do século XX, os volumes 7 e 8 marcam um ponto alto da aventura. O tomo 7, intitulado A Viagem, leva o nosso herói a atravessar o Oceano Índico montado no seu dragão voador e desembarcar numa ilha desconhecida. Este lugar, que à primeira vista parece um paraíso exótico, aproxima-se mais dum cenário de sonho: criaturas fantásticas, paisagens estranhas, uma atmosfera de mistério e promessa de riqueza. Mas depressa a beleza se revela enganadora: a ilha esconde um veneno mortal, e as costas escuras desse mundo escondem segredos sombrios. O Mercenário, sozinho e longe de casa, terá de lutar contra as forças da natureza e contra armadilhas traiçoeiras — numa mistura de fantasia épica e toques de ficção científica.

Já o tomo 8,  Ano Mil, O Fim do Mundo, insere a narrativa num contexto dramático e apocalíptico. A tradição — ou o temor — de que o ano mil da nossa era marcaria o fim do mundo move monges da misteriosa Ordem do Cráter, que se preparam para o desastre. Por acaso — ou destino —, O Mercenário acaba por ser transportado para um planeta quase idêntico à Terra, mas devastado e semi-abandonado. Lá descobre vestígios de uma civilização antiga e terríveis seres que outrora dominaram a Terra; compreende que a catástrofe não é apenas simbólica, mas real. Assistimos a uma fusão entre heroic-fantasy, ficção científica e horror — o herói confronta-se com forças maiores do que a mera ambição humana, com o destino de mundos inteiros em jogo.  

Em termos editoriais, o volume 7 foi publicado originalmente em 1995 sob o título El Viaje e o volume 8 seguiu em 1996, sob o nome Año 1000 (ou Año mil. El fin del mundo). 

Quanto às edições em Portugal, ambos os volumes foram publicados nos anos finais do século passado pela extinta Meribérica-Líber.

Estes dois tomos representam — além de histórias profundamente imaginativas — um ponto de viragem na série: combinando o estilo visual meticuloso e pictórico de Segrelles com narrativas cada vez mais audaciosas, misturando fantasia, mistério, ficção científica e temáticas existenciais.

O Mercenário #7: A viagem, Vicente Segrelles, Ala dos Livros, 64 pp., cor, capa dura, 21,90€
O Mercenário #8: Ano Mil. O Fim do Mundo, Vicente Segrelles, Ala dos Livros, 64 pp., cor, capa dura, 21,90€

26 de novembro de 2025

El Diablo

El Diablo, de Lewis Trondheim (argumento) e Alexis Nesme (ilustração) alia humor sombrio, fantasia e um olhar mordaz sobre o comportamento humano. Inserido no projecto Monstres, o livro retoma a tradição de revisitar criaturas lendárias, mas sempre com uma abordagem autoral e irónica, típica de Trondheim.

As coisas estão a correr mal no galeão do capitão espanhol Santoro, nestes dias aventurosos do século XVI. Os mantimentos esgotaram-se, por isso escolheu um grumete... para o comer! O jovem José, agora na ementa da tripulação, avista felizmente uma terra desconhecida e escapa à morte culinária! Nessa terra desconhecida, irá descobrir um animal estranho — amarelo, com manchas negras e uma longa cauda — que Santoro fere, e que quase mata José.

Acolhido pelos índios Chahuta, o grumete descobre que se tornou uma espécie de parente espiritual do Marsupilami, o "espírito da floresta", ao qual está de agora em diante ligado por um elo mágico. Os dois vivenciarão, assim, o sofrimento e as emoções um do outro...

O início de uma relação especial que rapidamente se complicará por causa da desbragada sede de ouro do Capitão Santoro, determinado a deitar as mãos ao suposto El Dorado dos Chahuta...

A narrativa, construída como uma fábula obscura, alterna momentos de franca comicidade com situações de tensão quase grotesca. Trondheim desmonta lugares-comuns das histórias de monstros, aproximando-se, por vezes, do espírito de sátira que se encontra nas aventuras do Marsupilami de André Franquin — não pela inocência ou pelo ritmo slapstick, mas pela habilidade em mostrar como o ser humano reage de modo caótico quando confrontado com o desconhecido e o extraordinário.

A arte de Alexis Nesme reforça esta ambivalência: o traço é minucioso, expressivo, cheio de cor e textura, capaz de misturar encanto e inquietação numa mesma vinheta. Tal como em A Fera, de , onde a criatura funciona como espelho das fragilidades humanas, também em El Diablo o “monstro” é menos importante do que o que ele revela sobre a comunidade — os seus medos, preconceitos e impulsos irracionais.

Longe de ser apenas uma história sobrenatural, El Diablo funciona como comentário social. A facilidade com que o pânico se instala, a busca apressada por culpados e a necessidade de justificar o inexplicável são temas centrais. Com humor negro e uma certa ternura disfarçada, Trondheim e Nesme constroem uma obra que entretém e, ao mesmo tempo, questiona a natureza das crenças colectivas.

O resultado é uma leitura envolvente, visualmente rica e cheia de camadas, que agradará tanto aos leitores de fantasia como aos apreciadores de narrativas irónicas e inteligentes — uma obra que dialoga com a tradição da banda desenhada franco-belga, mas com voz própria e inconfundível.

El Diablo, Alexis Nesme e Lewis Trondheim, A Seita, 64 pp., cor, capa dura, 18,95€