“E se os europeus fossem os refugiados?”
Num futuro próximo, a Europa é devastada por guerras, crises climáticas e instabilidade política. Milhares fogem das suas terras em busca de segurança — e a última esperança parece estar nas ilhas geladas do norte, particularmente a Islândia, que tenta proteger-se erguendo barreiras à imigração.
Entre esses fugitivos está Liam, um homem que perdeu tudo e decide roubar a identidade de uma mulher para embarcar num navio rumo ao norte. Só mais tarde descobre que tomou o lugar de Francesca, alguém envolvida num misterioso projecto chamado Islander. O que começa como um acto de desespero transforma-se numa corrida pela sobrevivência, num mundo onde compaixão e brutalidade se confundem.
Em Portugal, onde o debate sobre migrações, fronteiras e integração tem vindo a crescer, Islander ganha uma relevância especial. A inversão de papéis — ver cidadãos europeus como os deslocados, as “vítimas do sistema” — funciona como espelho de um mundo em colapso moral.
Férey e Rouge não fazem moralismos: apresentam o caos, a fome, o medo e a violência sem filtros. O leitor é forçado a questionar-se — o que faria para sobreviver? Até onde iria para proteger alguém, ou a si próprio?
A obra pode lembrar clássicos distópicos como V de Vingança ou Children of Men, mas tem uma linguagem muito própria: crua, visualmente intensa e surpreendentemente poética.
O desenho de Rouge é de uma força cinematográfica. O frio quase se sente nas páginas: o vento corta, o mar revolto ameaça engolir tudo. Há uma paleta gelada, dominada por azuis, cinzentos e brancos, que traduz a solidão do exílio.
Os personagens têm rostos vividos, olhares marcados por fadiga e desespero — e o resultado é uma imersão quase física. O leitor sente-se ali, na multidão de quem perdeu o lar, à espera de uma oportunidade qualquer.
Islander – O Exílio é mais do que uma história de sobrevivência: é um espelho virado para o nosso tempo. No traço de Corentin Rouge e na escrita urgente de Caryl Férey, há uma mensagem clara — a humanidade é frágil, e o conforto que hoje tomamos por garantido pode, amanhã, desaparecer.
É uma leitura que mexe, que inquieta e que, sobretudo, obriga a sentir.
Islander #1 - O exílio, Corentin Rouge e Caryl Férey, Arte de Autor, 160 pp., cor, capa dura, 33€








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